STJD nega interferência abusiva, e Gaciba diz que caso de R49 vai à Fifa
Comentarista teme por abertura de precedente com decisão do tribunal contrária à do árbitro da partida. Procurador alega 'situação normal'
A última terça-feira pode ter sido um divisor de águas no debate da
autoridade da arbitragem no futebol brasileiro. A punição a Ronaldinho Gaúcho por jogada violenta contra Kleber,
determinada por maioria de votos pelo STJD, foi contrária à decisão de
Héber Roberto Lopes, que não marcou falta no lance da partida entre
Atlético-MG e Grêmio, em 23 de setembro. O tribunal reviu as imagens da
televisão e denunciou o jogador, que teve pena de uma partida de
suspensão, a ser cumprida nesta quarta-feira, contra o Inter. Dezesseis
dias se passaram entre a data da partida e o julgamento, e, após a
leitura da sentença, a dúvida permaneceu: afinal, quem é o dono do
apito?
Árbitro por 21 anos e comentarista do SporTV,
Leonardo Gaciba teme pela abertura de um precedente com a interferência
do STJD nas decisões da arbitragem. E afirma que o caso será levado à
consulta com a Fifa.
- É importante ver o livro de regras da Fifa, que diz que toda decisão
do árbitro não tem volta. Se é uma decisão técnica, então vamos ter que
olhar todos os jogos do Brasileirão e utilizar os mesmos exemplos. É um
negócio complicado. Todo caso de agressão tem que ser punido, claro, e o
STJD é soberano. Minha preocupação é a questão da citação, do critério
igual para todo mundo. Na minha opinião, estão entrando em uma área que
não é a deles. Agora vão discutir se o cartão tinha que ser amarelo ou
vermelho? Seria o mesmo que colocar um árbitro para julgar um julgamento
deles. Inverteríamos os papéis. Esse caso vai ser levado pela CBF a uma
consulta à Fifa, para uma análise da arbitragem brasileira - afirmou
Gaciba.
O texto das regras do jogo, um documento oficial da Fifa, descreve a situação da seguinte forma:
Presidente da Comissão da Arbitragem da CBF, Aristeu Leonardo Tavares
não quis entrar em polêmica, mas reafirmou a autoridade do STJD.
- Não estou por dentro do assunto, porque estou aqui na Granja Comary
em um treinamento. Mas a decisão do STJD é sempre soberana, vai ser
sempre cumprida - garantiu.
No outro lado da discussão, o procurador-geral do STJD, Paulo Schmitt,
não vê motivo de preocupação com a decisão tomada pelo tribunal. Ele
cita exemplos de outros jogadores que foram denunciados após o fim do
jogo e sem orientação direta da arbitragem, como Bolívar, do Inter, que
fez dura falta em Dodô, do Bahia, no Brasileirão de 2011. O colorado foi
punido inicialmente com o mesmo tempo que levasse o período de
recuperação do adversário e depois teve sua pena reduzida para quatro jogos.
- É uma situação absolutamente normal. Temos que cuidar das ações
disciplinares, resguardar a ética e analisar infrações. O árbitro aplica
as regras do jogo. Não houve interferência que não seja de competência
do STJD. O campeonato vai afunilando, mas desde o início usamos a prova
de vídeo. Se o árbitro viu mal, ou não viu, nossa competência é levar o
conhecimento ao tribunal, como já aconteceu em diversos casos, por
exemplo o do Bolívar com o Dodô. O árbitro estava próximo e não marcou a
entrada quase criminosa, que deixou o atleta do Bahia mais de seis
meses fora. Não estamos aqui para mudar o resultado do jogo, escanteios,
impedimentos. Mas, se houver violência, prática de infração, pouco
importa se o árbitro deixou o cartão no bolso. Não é uma novidade o uso
de imagem - afirmou Schmitt.
No momento da falta de Ronaldinho Gaúcho em Kleber, Héber Roberto Lopes
estava a cerca de quatro metros. Um atleta do Galo está perto, mas
parece não obstruir a visão do árbitro. Uma situação parecida aconteceu
há menos de um mês, com Adryan,
do Flamengo (veja no vídeo abaixo). O árbitro Marcelo de Lima Henrique,
que estava a cerca de 40 metros da cena, deu cartão amarelo por entrada
no vascaíno William Matheus. No entanto, o meia foi denunciado pelo
STJD e punido com uma partida de suspensão.
Para Schmitt, a tecnologia é uma aliada para os árbitros que não estejam bem posicionados no momento da infração e tenham uma avaliação equivocada devido à distância. Por isso, acredita que não houve incoerência entre a punição de Ronaldinho Gaúcho e a absolvição de Héber Roberto Lopes por "deixar de observar as regras da modalidade", como consta no artigo 259 do Código de Justiça Desportiva Brasileira, ao qual foi denunciado.
- A gente vem responsabilizando os árbitros em forma de denúncia em situações como essa. Mas, dependendo da análise dos auditores, é absolutamente compreensível que, embora ele pareça estar de frente, fique fragilizado em função da vigília eletrônica. As imagens que temos à disposição são evidentes. Com a velocidade que o jogo se desenrola, ele pode perder um lance específico. Por isso é compreensível que a grande maioria seja absolvida por interpretação errônea. Os atletas, sim, têm que ter mais consciência para praticar a modalidade com a maior lisura possível - concluiu Schmitt.
Veja a visão da arbitragem nos casos de Adryan e Ronaldinho Gaúcho (Foto: infoesporte)