Total de visualizações de página

Paulo Autuori: ‘Nossos treinadores ficaram para trás’

  • Técnico do Vasco é o entrevistado da seção 'Preto no Branco', do GLOBO
  • 'Futebol está chato demais', critica o treinador
  • Ele explica que voltou ao Brasil para ter de novo tesão na profissão
Marcos Penido (Email · Facebook · Twitter)
Mauricio Fonseca (Email · Facebook · Twitter)

Paulo Autuori, técnico recém-contratado pelo Vasco: 'Futebol brasileiro não é mais o melhor do mundo' Foto: Eduardo Naddar / Agência O Globo
Paulo Autuori, técnico recém-contratado pelo Vasco: 'Futebol brasileiro não é mais o melhor do mundo' Eduardo Naddar / 

Agência O Globo 
 
RIO - Paulo Autuori diz que voltou ao Brasil com uma missão: resgatar a essência do futebol pentacampeão. Nada de esquemas mirabolantes, de fórmulas mágicas. Aos 56 anos, o técnico do Vasco busca a simplicidade. Considera nossos treinadores arrogantes e acha que o futebol está muito chato. Mas continua com tesão para enfrentar desafios.

O futebol brasileiro ainda é o melhor do mundo?
Não podemos mais afirmar isso. Como somos os melhores do mundo, se os estádios estão sempre vazios, o calendário é péssimo e não temos organização? Mas ainda temos capacidade de renovar, em quantidade e qualidade, como nenhum outro país no mundo.

Hoje em dia é recorrente afirmar que o futebol brasileiro está atrasado taticamente em relação ao europeu. Você concorda?
Concordo. Infelizmente, isso tem muito a ver com a minha classe. Nossos preparadores físicos, fisioterapeutas e treinadores de goleiros são top, estão entre os melhores do mundo. Já nossos treinadores ficaram para trás. Muito por arrogância. Acham que sabem tudo, que são donos da verdade. Trabalhar no Brasil não é fácil, mas dizer que um técnico estrangeiro não teria sucesso aqui é um pouco demais. Será que o Guardiola não faria um bom trabalho se viesse trabalhar na seleção? Me parece mais insegurança do que qualquer outra coisa.

Muita gente estranhou você ter aceitado o convite do Vasco, que enfrenta sérios problemas. O que motivou a encarar este desafio, quando tinha proposta de clubes mais bem estruturados?
Estou muito seguro do que tenho que fazer no Vasco. O clube passa por um momento delicado, como muitos outros, mas tem uma história vencedora e isso não desaparece de uma hora para outra. O que não podemos é criar falsas expectativas para a torcida. O que me proponho é fazer este grupo crescer, formar uma base. Aí, sim, poderemos dar um salto de qualidade com a chegada de jogadores mais qualificados. Mas, no momento, é este o material humano com o qual vamos trabalhar.

Afinal, por que você deixou a vida tranquila que tinha no Qatar e voltou para o Brasil?
Além de estar com saudade do meu país, da minha família, retornei para voltar a ter tesão no meu trabalho. Quero resgatar a essência do futebol brasileiro. Cresci vendo os nossos times e nossa seleção marcando por zona, com laterais ofensivos e meias de criação em abundância. Acho um absurdo times da base jogarem no 3-5-2 aqui no Brasil. Isso impede o surgimento de laterais e meias como estávamos acostumados.

Qual a formação tática que mais lhe agrada atualmente?
Gosto do tradicional 4-4-2, que permite mais variantes, como o 4-2-3-1, que está na moda. Mas, para usar este esquema, tem que ter jogadores com características para isso. Aqui, o 3 é composto por três meias. Não dá. É preciso que dois deles sejam atacantes e o outro um meia, que chega na frente e se aproxima do centroavante. Eu gosto de ter um atacante de referência.

Ainda há espaço para pontas no futebol de hoje?
Claro. Os europeus estão voltando a jogar com pontas. A seleção da Espanha tem o Jesus Navas, um ponta como antigamente. Quero ver isso no Brasil. Sei que é difícil, mas dá para fazer.

Você está preocupado com a seleção brasileira?
Estou, como todo mundo. O tempo está passando, e a coisa não anda. E me incomoda um pouco a forma como o time está jogando. Contra a Itália, quem tomou a iniciativa foram eles. Ficamos esperando o momento certo para contra-atacar. Sempre foi o contrário quando enfrentamos a Itália. E quando se viu a Rússia partir para cima do Brasil, como fez agora? Mas tenho esperanças.

Por ser o país-sede e ter cinco títulos mundiais, o Brasil tem de ser campeão de qualquer maneira?
Essa história de ser campeão na marra, de qualquer maneira, não existe. Mas é certo que não será fácil ser campeão. A pressão vai ser enorme, o fantasma de 1950 estará sempre presente.

O futebol está chato?
Demais. Tem jogo todo dia, está muito vulgarizado. Tem vezes que você faz questão de não acompanhar uma partida, de tão ruim que ela é. Ninguém aguenta tanto futebol assim. A vida não pode ser e não é só futebol.

Mas você não acha que o ambiente do futebol está carregado? Não há mais espontaneidade.
É verdade. E tem também a questão do patrulhamento, do politicamente correto. Você tem que tomar cuidado com tudo que se fala. Há uma desconfiança geral. Jogadores, comissão técnica, dirigentes, torcida, imprensa, tudo isso forma o futebol, faz parte de uma engrenagem. Não dá para excluir nenhuma das partes. Está faltando harmonia.

Na sua apresentação no Vasco, você disse que não gostaria de ser chamado de professor. O papel dos treinadores está superdimensionado no futebol hoje em dia?
Sem dúvida, e não é somente no Brasil. Também é assim na Europa. A ponto de o Joachim Löw, técnico da seleção alemã, ter sido flagrado durante um jogo tirando meleca e botando na boca. Isso com a bola rolando. Preferiram mostrar isso ao jogo que estava acontecendo. Hoje, tem uma câmera só em cima do treinador. Um exagero. O que prego é uma volta à simplicidade. Não sou professor de nada.

Ficou surpreso com a queda do Mano Menezes na seleção?
Fiquei, como todo mundo, acho. Na minha visão, foi um erro no momento em que aconteceu. Podiam tê-lo tirado em outro momento. Houve até motivos para isso. Mas não podemos esquecer que ele estreou numa fogueira. Como o Zico bem disse, o Mano teve que fazer uma renovação radical. Não teve jogadores para fazer o elo entre uma geração e outra, como sempre aconteceu na seleção. Isso é complicado

Você sonha com a seleção?
Eu, como todo treinador, penso em seleção. Mas não faço disso uma meta. Se acontecer, ótimo, mas não trabalho para isso. O que busco é ser melhor do que sou hoje. Não quero ser melhor do que ninguém.

A seleção do Qatar ainda luta por uma vaga na Copa de 2014, e em 2022 o país vai sediar o Mundial, o primeiro realizado no Oriente Médio. Não era hora de ficar por lá mais um pouco? Quem sabe você não seria o treinador daqui a oito anos?
Talvez, mas estava sem saco de continuar fora do Brasil. Passei 23 anos dos 37 que tenho como profissional do futebol no exterior. E não tinha ilusões de que eles me escolheriam para ser o técnico em 2022. Eles vão atrás de um medalhão internacional. Vão querer muita mídia. Mas, por uma questão de justiça, é bom que todos saibam que o cara lá no Qatar, o rei para eles é o Evaristo de Macedo. A moral dele é impressionante. O Sebastião Lazaroni também tem muito prestígio.

Nessa última passagem pelo Qatar, foram quatro anos seguidos. Nesse período, teve propostas de algum clube europeu?
Fui assediado algumas vezes, tive algumas sondagens, mas, como já disse, queria voltar ao Brasil.

Você tem personalidade forte. Teve algum problema com isso no Qatar?
Houve uma situação complicada logo que voltei para o Al Rayyan, em 2009, após deixar o Grêmio. Logo no primeiro jogo, contra o Al Gharafa, que era dirigido pelo Caio Júnior, um dirigente, que tinha muita força no futebol do Qatar, entrou no vestiário e disse que queria falar com os jogadores. Perguntei, indignado, se ele queria falar ali, no vestiário, e no intervalo de um jogo que estávamos perdendo. Como ele insistiu, disse que os jogadores eram todos dele e fui embora. Não voltei para o intervalo. Mas avisei que não queria saber de historinha, de mentiras, quando a imprensa perguntasse o que tinha acontecido.

Ficou por isso mesmo?
Não. Depois do jogo, o tal dirigente disse para os jornalistas que eu tinha passado mal e, por isso, não tinha voltado do intervalo. Estava vendo a entrevista pela TV, na sala da comissão técnica. Na mesma hora, fui à sala de coletivas e disse que eu estava ótimo e contei o que havia ocorrido. O Caio Júnior não entendeu nada. Achei que seria demitido no dia seguinte, mas o emir que manda no clube disse que eu ficaria. O tal dirigente aceitou, mas disse que eu tinha errado. Falei que quem tinha errado era ele. Com o tempo, as coisas se acertaram.

Qual sua opinião sobre Neymar?
Estou preocupado, pois ele começa a se tornar dúvida. E torço para que isso não chegue a ele, sé é que ainda não chegou. No Brasil, Neymar tem espaço para driblar à vontade. Quando joga contra seleções europeias, a marcação é muito mais forte. Dribla um, já tem outro na cobertura.

Você também defende que ele vá para a Europa?
Neymar tem muita técnica, potencial enorme. Pode crescer muito indo jogar na Europa, com os melhores. Já trabalhei com jogador que dizia que no Brasil jogava bola e que na Europa virou jogador de futebol.

Messi ou Cristiano Ronaldo?
Messi, é lógico. Ele joga sorrindo, faz tudo com leveza, com naturalidade. Sua técnica e sua categoria são exuberantes. Cristiano Ronaldo também é um grande jogador, mas faz as coisas com esforço. Ele tem uma força mental impressionante, muita concentração. Cristiano Ronaldo se propõe a fazer uma coisa, vai lá é faz. Mas, para mim, o Messi é superior.