América recorre a parceria no futebol para não fazer da Série B sua rotina
Na luta para equiparar investimento com equipes apoiadas por prefeituras, clube rubro aposta na gestão compartilhada. Segundona começa no sábado
Destacada atrás de um dos gols do estádio de Edson Passos, acima das
arquibancadas, a frase "América: unido vencerás" talvez nunca tenha sido
tão representativa. Rebaixado para a Segunda Divisão do Carioca em
2011, o tradicional clube rubro está pronto para disputar a Série B pelo
segundo ano consecutivo - algo inédito em sua história. A estreia é
neste sábado, contra o Mesquita, em Edson Passos. Considerado outrora o
quinto grande do Rio, o Diabo tem sete títulos do Carioca, uma terceira
colocação no Brasileirão de 1986, além da taça do Torneio dos Campeões,
em 1982, que lhe rendeu a alcunha de "Campeão dos Campeões". E para
evitar que a Segundona se torne uma nova casa, como aconteceu com outras
equipes da capital, a diretoria Diabo decidiu mudar a forma de gestão
do departamento de futebol.
Jogadores do América se reúnem para treino no estádio de Edson Passos (Foto: Jorge Natan)
Uma das vítimas da crise financeira que vem assolando os clubes da
cidade do Rio, o América teve em seu segundo rebaixamento (havia caído
em 2008 e retornado logo em seguida) um motivo de grande preocupação
para os torcedores. Esse mesmo fenômeno relegou muitas bandeiras
tradicionais da capital fluminense ao ostracismo: o Bonsucesso, por
exemplo, já ficou afastado da elite estadual por 18 anos (subiu em 2011,
sendo rebaixado no ano seguinte). O São Cristóvão, hoje na Série C, já
acumula 18 anos longe da elite. Trata-se do resultado do fortalecimento
dos adversários, decorrente da aparição de times financiados por
prefeituras do interior do estado.
- Para mim, nossos grandes concorrentes são o Goytacaz, que vem com o
respaldo da prefeitura de Campos, e o Cabofriense, que vem com apoio do
prefeito eleito. São as equipes que têm mais condição de obter êxito -
aponta o presidente do América, Vinícius Cordeiro, ao tratar sobre os
favoritos ao acesso à Série A (são duas vagas).
Time |
Participação na 1ª divisão |
Maior período fora da elite |
---|---|---|
América | 103 edições | 2 anos (2012 e 2013) |
Bangu | 98 edições | 4 anos (2005 a 2008) |
Bonsucesso | 58 edições | 18 anos (1994 a 2011) |
Campo Grande | 29 edições | 18 anos (desde 1996) |
Madureira | 65 edições | 9 anos (1983 a 1991) |
Olaria | 62 edições | 9 anos (1938 a 1946) |
Portuguesa | 40 edições | 15 anos (1938 a 1953) |
São Cristóvão | 71 edições | 18 anos (desde 1996) |
Para se ter ideia do domínio atual das equipes do interior, a primeira
divisão neste ano conta com três times da capital (além dos quatro
grandes), três da Baixada Fluminense e seis de fora da Região
Metropolitana do estado. Desses, o Macaé é financiado majoritariamente
pela prefeitura da cidade, enquanto Quissamã e Resende também recebem
apoio. O Friburguense tinha financiamento do poder público até o início
do ano, e o Duque de Caxias, time da Baixada, já recebeu apoio da
prefeitura há alguns anos.
Para o mandatário americano, a solução para tentar sobreviver face ao
investimento maior dos concorrentes tem que vir de um binômio: aposta
nas categorias de base aliada à diversificação das fontes de recursos.
Vinícius Cordeiro aponta os modelos de Madureira e Nova Iguaçu como bons
exemplos para aproveitar a formação dos atletas técnica e
financeiramente.
- Eu consegui caminhar em 2011 e 2012 porque consegui vender uma
parcela dos direitos do Wellington Nem, que foi atleta nosso no
infantil. Tivemos direitos econômicos em 2012 na venda do Michael
Jackson para Xerém. É preciso apostar em artigos rentáveis - aposta.
O América, pela primeira vez, passa dois anos seguidos fora da elite do Carioca (Foto: Jorge Natan)
Para avançar na reestruturação do clube e conseguir investimentos que
possam competir com os clubes do interior, o América fechou uma parceira
com a empresa de marketing esportivo Chap. Ela fica responsável por
toda a folha salarial do departamento de futebol, além de operar
melhorias no estádio de Edson Passos e ter representantes na gestão do
futebol do clube. Mas não se trata de uma terceirização, já que o
América mantém alguns membros da diretoria e opina nas decisões: é o que
Vinícius Cordeiro chama de gestão compartilhada.
Enquanto a Chap traz novos jogadores e profissionais para a comissão
técnica, o América trata de arcar com salários atrasados e investir em
seu patrimônio, como a sede na Tijuca. Com contrapartida ao
investimento, a empresa tem participação majoritária nos valores
captados para publicidade e também possui parte dos direitos econômicos
de alguns atletas da base enquanto durar a parceria - que tem contrato
inicial de dois anos.
- Não se pode trazer dinheiro para quebrar um galho. É um jogo de
sobrevivência em que estamos tentando apontar uma fórmula. A decadência
chegou aqui também. E você está vendo o campeonato tomado por Quissamãs,
Resendes. Não posso mais resolver apenas com um patrocinador ocasional.
Um patrocinador ocasional faz bem a curto prazo, mas não resolve o
problema. Não sei se serei bem sucedido, mas te falo que a busca pela
modernidade é nosso foco - diz Vinícius Cordeiro, que destaca que uma
das exigências foi a manutenção da comissão técnica comandada por
Duílio.
Para citar exemplos de que parcerias efêmeras não dão o efeito
desejado, Vinícius cita o acordo firmado quando Romário atuava na
direção americana. Rebaixado em 2008, venceu a Série B embalado por um
acordo com o Botafogo, que cedeu jogadores e a estrutura do clube para
apoiar o Diabo. No entanto, a má campanha na edição de 2011 levou o
clube de volta à divisão inferior.
Comandante campeão quer mentalidade vencedora
Famoso pelo título brasileiro de 1984, conquistado como zagueiro do
Fluminense, Duílio está de volta ao América, por onde passou antes de ir
para o Tricolor. O técnico chegou ao Diabo no ano passado, quando o
time não passou da primeira fase na disputa da Segunda Divisão do
Carioca. Para que o final seja diferente em 2013, Duílio pede
mentalidade vencedora à equipe.
- Uma coisa que não escapa da gente é jogar para vencer em qualquer
lugar. Se o América tem o objetivo de subir para a Primeira Divisão e
sair dessa série que não lhe pertence, temos que ter uma mentalidade de
vencedores. Você coloca isso para os jogadores, que é pra vencer em
qualquer lugar que o América puser os pés.
Além dos atletas contratados no ano passado e os jogadores da base
americana, para 2013, Duílio recebeu o reforço de caras conhecidas, que
já passaram por grandes clubes do Rio. Nomes como o goleiro Fábio
Noronha (ex-Fla e Flu), o lateral China (ex-Fla) e o meia Jougle
(ex-Botafogo) chegaram neste ano para dar mais experiência ao time.
Outro vetarano da equipe é o volante Léo Oliveira, ex-Flamengo. O
jogador de 30 anos participou da campanha em que o América foi
rebaixado, em 2011, jogou a Série B no ano passado e está pronto para se
empenhar no desafio de trazer a equipe de volta à elite, suportando a
grande pressão.
- Eu particularmente sinto o peso, pois o América é clube grande,
campeão no passado. E tem que estar na primeira divisão. A motivação é
justamente, por ter sido rebaixado, quando tiver que deixar o América,
deixar na primeira divisão. Vou ficar satisfeito e ver a missão cumprida
- declara.
O lateral China, que também já atuou no Flamengo, foi trazido após a
parceria e tenta um recomeço na carreira, já que estava parado e vinha
apenas treinando no Bonsucesso.
- Vejo exemplo de outros jogadores com mais idade jogando em alto nível
por times grandes. Acredito que fazendo um bom trabalho aqui possa
surgir oportunidade de jogar em um time grande, no Campeonato
Brasileiro, Série A, Série B. O futebol é assim. É uma rotatividade, é
normal. Acontece, não só comigo, mas o foco é voltar aos grandes clubes.
Estruturação em Edson Passos é outro trunfo
Estádio de bom porte, com capacidade para 10 mil pessoas e que já foi
utilizado por grandes clubes em um passado recente, Edson Passos caminha
para se tornar a casa do elenco do América, de fato. A nova gestão
reformou o refeitório e o alojamento dos profissionais, que costumam
treinar em tempo integral e não precisam se locomover entre uma
atividade e outra. Há a intenção de melhorar a qualidade do gramado,
fazendo um controle antipraga e contratando profissionais que se
dediquem exclusivamente ao cuidado do campo.
- Estou preocupado em investir na recuperação do estádio, pois, se eu
tiver um bom estádio, Flamengo e Vasco não precisarão jogar em Macaé, em
Volta Redonda - aponta Vinícius Cordeiro.
Gramado de Edson Passos ainda precisa de melhorias (Foto: Jorge Natan)