RIO - Paulo Autuori diz que voltou ao Brasil com uma
missão: resgatar a essência do futebol pentacampeão. Nada de esquemas
mirabolantes, de fórmulas mágicas. Aos 56 anos, o técnico do Vasco busca
a simplicidade. Considera nossos treinadores arrogantes e acha que o
futebol está muito chato. Mas continua com tesão para enfrentar
desafios.
O futebol brasileiro ainda é o melhor do mundo?
Não
podemos mais afirmar isso. Como somos os melhores do mundo, se os
estádios estão sempre vazios, o calendário é péssimo e não temos
organização? Mas ainda temos capacidade de renovar, em quantidade e
qualidade, como nenhum outro país no mundo.
Hoje em dia é recorrente afirmar que o futebol brasileiro está atrasado taticamente em relação ao europeu. Você concorda?
Concordo.
Infelizmente, isso tem muito a ver com a minha classe. Nossos
preparadores físicos, fisioterapeutas e treinadores de goleiros são top,
estão entre os melhores do mundo. Já nossos treinadores ficaram para
trás. Muito por arrogância. Acham que sabem tudo, que são donos da
verdade. Trabalhar no Brasil não é fácil, mas dizer que um técnico
estrangeiro não teria sucesso aqui é um pouco demais. Será que o
Guardiola não faria um bom trabalho se viesse trabalhar na seleção? Me
parece mais insegurança do que qualquer outra coisa.
Muita
gente estranhou você ter aceitado o convite do Vasco, que enfrenta
sérios problemas. O que motivou a encarar este desafio, quando tinha
proposta de clubes mais bem estruturados?
Estou
muito seguro do que tenho que fazer no Vasco. O clube passa por um
momento delicado, como muitos outros, mas tem uma história vencedora e
isso não desaparece de uma hora para outra. O que não podemos é criar
falsas expectativas para a torcida. O que me proponho é fazer este grupo
crescer, formar uma base. Aí, sim, poderemos dar um salto de qualidade
com a chegada de jogadores mais qualificados. Mas, no momento, é este o
material humano com o qual vamos trabalhar.
Afinal, por que você deixou a vida tranquila que tinha no Qatar e voltou para o Brasil?
Além
de estar com saudade do meu país, da minha família, retornei para
voltar a ter tesão no meu trabalho. Quero resgatar a essência do futebol
brasileiro. Cresci vendo os nossos times e nossa seleção marcando por
zona, com laterais ofensivos e meias de criação em abundância. Acho um
absurdo times da base jogarem no 3-5-2 aqui no Brasil. Isso impede o
surgimento de laterais e meias como estávamos acostumados.
Qual a formação tática que mais lhe agrada atualmente?
Gosto
do tradicional 4-4-2, que permite mais variantes, como o 4-2-3-1, que
está na moda. Mas, para usar este esquema, tem que ter jogadores com
características para isso. Aqui, o 3 é composto por três meias. Não dá. É
preciso que dois deles sejam atacantes e o outro um meia, que chega na
frente e se aproxima do centroavante. Eu gosto de ter um atacante de
referência.
Ainda há espaço para pontas no futebol de hoje?
Claro.
Os europeus estão voltando a jogar com pontas. A seleção da Espanha tem
o Jesus Navas, um ponta como antigamente. Quero ver isso no Brasil. Sei
que é difícil, mas dá para fazer.
Você está preocupado com a seleção brasileira?
Estou,
como todo mundo. O tempo está passando, e a coisa não anda. E me
incomoda um pouco a forma como o time está jogando. Contra a Itália,
quem tomou a iniciativa foram eles. Ficamos esperando o momento certo
para contra-atacar. Sempre foi o contrário quando enfrentamos a Itália. E
quando se viu a Rússia partir para cima do Brasil, como fez agora? Mas
tenho esperanças.
Por ser o país-sede e ter cinco títulos mundiais, o Brasil tem de ser campeão de qualquer maneira?
Essa
história de ser campeão na marra, de qualquer maneira, não existe. Mas é
certo que não será fácil ser campeão. A pressão vai ser enorme, o
fantasma de 1950 estará sempre presente.
O futebol está chato?
Demais.
Tem jogo todo dia, está muito vulgarizado. Tem vezes que você faz
questão de não acompanhar uma partida, de tão ruim que ela é. Ninguém
aguenta tanto futebol assim. A vida não pode ser e não é só futebol.
Mas você não acha que o ambiente do futebol está carregado? Não há mais espontaneidade.
É
verdade. E tem também a questão do patrulhamento, do politicamente
correto. Você tem que tomar cuidado com tudo que se fala. Há uma
desconfiança geral. Jogadores, comissão técnica, dirigentes, torcida,
imprensa, tudo isso forma o futebol, faz parte de uma engrenagem. Não dá
para excluir nenhuma das partes. Está faltando harmonia.
Na
sua apresentação no Vasco, você disse que não gostaria de ser chamado
de professor. O papel dos treinadores está superdimensionado no futebol
hoje em dia?
Sem dúvida, e não é somente
no Brasil. Também é assim na Europa. A ponto de o Joachim Löw, técnico
da seleção alemã, ter sido flagrado durante um jogo tirando meleca e
botando na boca. Isso com a bola rolando. Preferiram mostrar isso ao
jogo que estava acontecendo. Hoje, tem uma câmera só em cima do
treinador. Um exagero. O que prego é uma volta à simplicidade. Não sou
professor de nada.
Ficou surpreso com a queda do Mano Menezes na seleção?
Fiquei,
como todo mundo, acho. Na minha visão, foi um erro no momento em que
aconteceu. Podiam tê-lo tirado em outro momento. Houve até motivos para
isso. Mas não podemos esquecer que ele estreou numa fogueira. Como o
Zico bem disse, o Mano teve que fazer uma renovação radical. Não teve
jogadores para fazer o elo entre uma geração e outra, como sempre
aconteceu na seleção. Isso é complicado
Você sonha com a seleção?
Eu,
como todo treinador, penso em seleção. Mas não faço disso uma meta. Se
acontecer, ótimo, mas não trabalho para isso. O que busco é ser melhor
do que sou hoje. Não quero ser melhor do que ninguém.
A
seleção do Qatar ainda luta por uma vaga na Copa de 2014, e em 2022 o
país vai sediar o Mundial, o primeiro realizado no Oriente Médio. Não
era hora de ficar por lá mais um pouco? Quem sabe você não seria o
treinador daqui a oito anos?
Talvez, mas
estava sem saco de continuar fora do Brasil. Passei 23 anos dos 37 que
tenho como profissional do futebol no exterior. E não tinha ilusões de
que eles me escolheriam para ser o técnico em 2022. Eles vão atrás de um
medalhão internacional. Vão querer muita mídia. Mas, por uma questão de
justiça, é bom que todos saibam que o cara lá no Qatar, o rei para eles
é o Evaristo de Macedo. A moral dele é impressionante. O Sebastião
Lazaroni também tem muito prestígio.
Nessa última passagem pelo Qatar, foram quatro anos seguidos. Nesse período, teve propostas de algum clube europeu?
Fui assediado algumas vezes, tive algumas sondagens, mas, como já disse, queria voltar ao Brasil.
Você tem personalidade forte. Teve algum problema com isso no Qatar?
Houve
uma situação complicada logo que voltei para o Al Rayyan, em 2009, após
deixar o Grêmio. Logo no primeiro jogo, contra o Al Gharafa, que era
dirigido pelo Caio Júnior, um dirigente, que tinha muita força no
futebol do Qatar, entrou no vestiário e disse que queria falar com os
jogadores. Perguntei, indignado, se ele queria falar ali, no vestiário, e
no intervalo de um jogo que estávamos perdendo. Como ele insistiu,
disse que os jogadores eram todos dele e fui embora. Não voltei para o
intervalo. Mas avisei que não queria saber de historinha, de mentiras,
quando a imprensa perguntasse o que tinha acontecido.
Ficou por isso mesmo?
Não.
Depois do jogo, o tal dirigente disse para os jornalistas que eu tinha
passado mal e, por isso, não tinha voltado do intervalo. Estava vendo a
entrevista pela TV, na sala da comissão técnica. Na mesma hora, fui à
sala de coletivas e disse que eu estava ótimo e contei o que havia
ocorrido. O Caio Júnior não entendeu nada. Achei que seria demitido no
dia seguinte, mas o emir que manda no clube disse que eu ficaria. O tal
dirigente aceitou, mas disse que eu tinha errado. Falei que quem tinha
errado era ele. Com o tempo, as coisas se acertaram.
Qual sua opinião sobre Neymar?
Estou
preocupado, pois ele começa a se tornar dúvida. E torço para que isso
não chegue a ele, sé é que ainda não chegou. No Brasil, Neymar tem
espaço para driblar à vontade. Quando joga contra seleções europeias, a
marcação é muito mais forte. Dribla um, já tem outro na cobertura.
Você também defende que ele vá para a Europa?
Neymar
tem muita técnica, potencial enorme. Pode crescer muito indo jogar na
Europa, com os melhores. Já trabalhei com jogador que dizia que no
Brasil jogava bola e que na Europa virou jogador de futebol.
Messi ou Cristiano Ronaldo?
Messi,
é lógico. Ele joga sorrindo, faz tudo com leveza, com naturalidade. Sua
técnica e sua categoria são exuberantes. Cristiano Ronaldo também é um
grande jogador, mas faz as coisas com esforço. Ele tem uma força mental
impressionante, muita concentração. Cristiano Ronaldo se propõe a fazer
uma coisa, vai lá é faz. Mas, para mim, o Messi é superior.