Cartões providenciais viram moda no Brasileirão; STJD diz que é difícil punir
Suspensos, jogadores convocados cumprem punição quando estão com suas seleções. Mas amarelo 'forçado' pode levar atletas aos tribunais
Como mercado mais forte da América do Sul, o Brasil tem em seus times 11 jogadores convocados atualmente em terras vizinhas, isso sem contar os da própria Seleção. O alto número de atletas selecionáveis expôs uma situação que vem chamando a atenção no Campeonato Brasileiro: suspensos pelo terceiro cartão amarelo, muitos acabam cumprindo a pena no período em que defendem seus países, e obrigatoriamente não poderiam jogar por seus clubes. A “manobra”, premeditada ou acidental, não fere a regra da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), mas pode ser enquadrada como atitude antidesportiva e levada aos tribunais pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).
Barcos, Guiñazu, Lucas, Damião, González e Réver: suspensos quando já não poderiam atuar por suas equipes no Campeonato Brasileiro(Foto: Editoria de Arte/Globoesporte.com)
Dos 20 jogadores em atividade no país chamados na última convocação – para as eliminatórias da Copa do Mundo e amistosos entre os dias 7 e 11 de setembro –, seis vão cumprir suspensão pelo Brasileiro enquanto defendem suas seleções: os brasileiros Réver (Atlético-MG), Lucas (São Paulo) e Leandro Damião (Internacional), além dos argentinos Guiñazu (Internacional) e Barcos (Palmeiras) e do chileno Marcos González (Flamengo). A situação é nova, mas não inédita. Em agosto de 2011, já havia acontecido isso com Ralf, do Corinthians.
FOTO
No mês passado, o assunto voltou à tona quando Paulinho (Corinthians), Marcelo Moreno (Grêmio) e Marcos González (Flamengo), receberam o terceiro amarelo na 16ª rodada, antes de se apresentarem a suas seleções, e criaram dúvidas nos clubes para quando voltassem. A CBF precisou esclarecer que os atletas cumpririam a pena mesmo longe do Brasil, e poderiam jogar ao retornarem, conforme previsto no artigo 365 da resolução da presidência 01/91.
O caso, no entanto, chama a atenção da Justiça Desportiva, que tenta inibir que clubes e jogadores se aproveitem da manobra para forçar um cartão. Casos como de Paulinho, que recebeu o terceiro amarelo ao tirar a camisa para comemorar o gol de Romarinho, na vitória do Corinthians por 2 a 1 sobre o Coritiba, no dia 12 de agosto, levantou suspeitas. Segundo o procurador-geral do STJD, Paulo Schmitt, dependendo da forma da infração, o atleta pode ser levado aos tribunais pelo artigo 258 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), com suspensão de uma a seis partidas.
- Se tiver prova cabal de que forçou o cartão amarelo, pode ser enquadrado como atitude antidesportiva. A dificuldade é provar que os atletas forçam o recebimento de cartão amarelo ou vermelho, usando de formas deliberadas para manipular o cumprimento do impedimento automático. O futebol é esporte de contato, tem faltas mais duras, menos duras... - explicou.
Da outra ponta da corda, os clubes se protegem. O Internacional, por exemplo, que tem Guiñazu e Leandro Damião suspensos na 22ª rodada, defende seus jogadores. Luciano Davi, vice de futebol do Colorado, admite que a situação é benéfica ao time, mas descarta que a ação foi premeditada.
- Pensado não foi, sob hipótese alguma. Mas que nos ajudou nesse sentido, ajudou, senão eles ficariam três jogos fora do time. Não vejo problema algum com isso, até porque não fere a regra. O Inter vinha de uma sequência de quatro jogos sem vencer, foram três derrotas e um empate, e precisava de uma melhora no campeonato. Por isso a raça dos jogadores aflorou nesse jogo contra o Flamengo - justificou.
Para Davi, pelos altos investimentos feitos, os clubes saem prejudicados com a continuação do Campeonato Brasileiro durante as datas-FIFA. Além de Guiñazu e Damião, o Inter também tem o desfalque de Forlán, convocado para a seleção uruguaia.
- Por toda relação custo-benefício, sai um preço muito mais caro para nós, acaba não conseguindo dar retorno em funções das convocações. Só o Damião, por exemplo, vai ficar aproximadamente 12 partidas fora do time. Se os jogadores forem para todas as partidas, ficam ausentes por muito tempo. Fora que a CBF não paga salário (para os convocados).
O desejo dos clubes, de parar as competições nacionais nas datas FIFA, não deve acontecer por causa do apertado calendário brasileiro, que não permite remanejar muitas datas. O ex-árbitro e comentarista da TV Globo Arnaldo Cézar Coelho também não vê mudanças no regulamento como possível solução. Para ele, esses tipos de situações competem só à Justiça Desportiva.
- Em alguns países, quando se constata que um atleta forçou para ser suspenso, ele é punido. Jogadores que fazem isso são espertos, e isso não cabe no futebol. Na UEFA (União das Federações Europeias de Futebol), a punição é rigorosa. Cabe aos procuradores tomar medidas disciplinares. A solução é querer ser sério e não empurrar a sujeira para debaixo do tapete - criticou.
Para ajudar os tribunais, Arnaldo diz que os árbitros podem perceber atitudes forçadas em campo e serem convocados para depor em julgamentos.
- Às vezes, sim (pode perceber a intenção do jogador em ser punido), retardando o jogo várias vezes, agarrando o adversário faltando três minutos para acabar o jogo... Se o procurador pedir, o juiz é convocado e faz o depoimento dele. O procurador pede a fita (da partida), vai olhar e pronto, vai ver essas coincidências (de suspensões antes de se apresentarem às seleções).
Caso Ronaldinho Gaúcho e Thiago Neves foi o primeiro a ser julgado
FOTO
O procurador Paulo Schmitt já levou um caso de cartão intencional aos tribunais no ano passado. Em julho de 2011, Thiago Neves revelou que ele e Ronaldinho Gaúcho, até então no Flamengo, forçaram o terceiro amarelo contra o Palmeiras para não enfrentarem o Ceará, visando uma sequência de jogos teoricamente mais difíceis.
- Foi bem pensado. Tinha conversado com o Ronaldo que seria melhor ficar fora, para enfrentar os outros times que são confrontos diretos. Com todo o respeito ao Ceará, mas os outros vão brigar pelo título. Jogo certo para ficar fora - declarou o meia na época, dias antes do empate por 1 a 1.
Porém, Schmitt não conseguiu que os jogadores fossem punidos no julgamento. Agora, ele espera que o debate volte à tona para evitar que usem “a regra entre aspas”.
- Foi o primeiro (caso em julgamento). Tinha uma entrevista, que não era audiovisual, e sim de internet, em que o jogador admitia que forçou o cartão. Mas no tribunal isso foi desmentido, não houve prova robusta e dificultou provar que o atleta forçou o cartão. Eram coisas que se discutiam na época, se essa infração disciplinar usa a regra entre aspas, de cumprir a suspensão quando bem entendesse. Agora, com novos membros no tribunal, quem sabe esse debate possa voltar.