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Andrada se defende e jura não ter participado de mortes na ditadura

Exclusivo: SporTV News ouve arqueiro do gol 1.000 de Pelé, acusado de envolvimento em duas mortes durante o regime militar argentino em 1983

Por Fellipe Awi e Guilherme Oliveira Rio de Janeiro

 


Ex-jogador do Vasco e ídolo do Rosário Central, Andrada teve a sua carreira marcada por ter sofrido o milésimo gol de Pelé, em 1969. Porém, os tempos de glória se foram, e hoje, aos 73 anos, ele vive um drama. "El Gato", como era conhecido, está sendo acusado de ter sido agente civil de inteligência do exército durante a ditadura militar na Argentina e participado da morte de dois militantes políticos. O SporTV foi até Rosário, cidade a cerca de 300km da capital Buenos Aires, e entrevistou com exclusividade o ex-goleiro, que pela primeira vez falou sobre as acusações para uma emissora de televisão brasileira.

Andrada se tornou alvo do rancor da população, principalmente depois que a promotoria da província de Santa Fé o denunciou por, supostamente, ter participado da execução de dois militantes políticos em 1983. Osvaldo Cambiasso e Eduardo Pereira Rossi foram levados para um galpão onde foram torturados e assassinados. O ex-goleiro se diz inocente e garante ser vítima de calúnia e difamação.

- Me incomoda, sim, porque não é verdade. Mas não importa, tenho que esperar. A vida é assim. Quando você se descuida um pouquinho, o mundo desaba na sua cabeça. Eu sou inocente - disse Andrada.

Andrada SporTV News Ditadura 2 (Foto: Reprodução SporTV)Ex-goleiro Andrada nega as acusações em entrevista ao SporTV News (Foto: Reprodução SporTV)
 
A ditadura militar na Argentina foi uma das mais violentas da América Latina. Em oito anos, entre 1976 e 1983, deixou 30 mil mortos ou desaparecidos. Movimentos como as Mães da Praça de Maio, de Buenos Aires, são um exemplo de como essa ferida ainda permanece aberta. Há 35 anos, todas as quintas-feiras, elas dão uma volta na praça que fica o palácio do governo argentino carregando fotos de seus familiares vítimas da ditadura.

- Não há esquecimento, não há perdão e não há reconciliação com os genocidas, torturadores e os repressores - diz Nora de Cortiñas, fundadora do movimento, que procura seu filho desaparecido.

Após a acusação, um cartaz com uma foto, o endereço da residência e a suposta ligação de Andrada com o grupo de inteligência circula entre a população com a inscrição "Castigo aos assassinos do povo!". 

- Esses agentes civis de inteligência eram recrutados do mundo civil para justamente mantê-los sob uma fachada civil,  uma pessoa que possa ser infiltrada em ambientes diferentes da sociedade, que possa espionar e gerar informações - disse Jan Emilio Basso, jornalista e filho de desaparecido político.

A defesa de Andrada tenta provar que ele não esteve em um bar no centro de Rosário em 14 de maio de 1983, quando dois militantes políticos foram sequestrados pelo grupo do qual o ex-goleiro fazia parte. Osvaldo Cambiasso e Eduardo Pereira Rossi foram levados para um galpão, onde foram torturados e assassinados.

Andrada SporTV News Ditadura (Foto: Reprodução SporTV) 
Cartaz divulgado após acusação contra Andrada
(Foto: Reprodução SporTV)
 
- Foi uma covardia em todos os sentidos. Porque os mataram algemados. Além disso, eram seis brutamontes no grupo que entrou com armas de cano curto. Eles colocaram todos os frequentadores do bar contra a parede, para que ninguém se mexesse, lhes deram coronhadas, e os arrastaram para fora do bar - explica Ethel Cambiaso, irmã de Osvaldo.

Eduardo Constanzo, torturador confesso do governo militar que vive em prisão domiciliar, foi quem acusou Andrada pela primeira vez. Por ter denunciado vários ex-companheiros, ele é ameaçado de morte e vive atualmente com proteção policial.

- O mais espantoso do terrorismo do estado, dos torturadores, cúmplices, assassinos, genocidas em geral, é que não eram monstros de quatro cabeças, facilmente identificáveis. Eram pessoas comuns - afirma Norma Ríos, que faz parte da Associação dos Direitos Humanos de Rosário.

A produção do SporTV News teve acesso ao processo contra Edgardo Norberto Andrada. O documento confirma que ele se juntou ao grupo de inteligência do exército em 1981, dois anos antes de encerrar a carreira, e usava o pseudônimo de Eduardo Néstor Antelo. Na justiça, o ex-goleiro negou que tivesse entrado no bar onde houve o sequestro.

- Vinte e oito anos atrás, se eu entrasse em algum lugar público, certamente muito mais pessoas notariam a minha presença - disse Andrada em depoimento.
Por não haver testemunhas contra Andrada, o juiz Carlos Ruzo considerou insuficientes as provas contra ele. Mas a promotoria apelou para a Câmara Federal de Rosário, que analisa o caso e pode rever a decisão.

- Temos que esperar que as partes, tanto a defesa quanto a promotoria, melhorem seus argumentos e depois a Câmara vai resolver em definitivo - explicou o juiz.

Para a acusação o argumento usado por Andrada é fraco, como afirma Ana Oberlín, advogada da família Cambiasso.
- Naquela época, a maioria das partidas era transmitida pelo rádio. As pessoas não tinham televisão. Esse fato, do nosso ponto de vista, determina que a imagem do Andrada não tenha sido tão conhecida, sua imagem física. Talvez seu nome. 

Isso é importante diferenciar. Andrada deveria estar cumprindo pena hoje. Já se passaram mais de 20 anos nos quais ele ficou impune. Essa impunidade tem que terminar. Na Argentina atual, tem que terminar - disse Ana Oberlín.

Preocupada com a sua imagem, a diretoria do Rosário Central, onde o ex-goleiro treinava as categorias de base, pediu para que ele se demitisse no final do ano passado. Aos 73 anos, com problemas para se locomover e enxergar, Andrada também se sente injustiçado. Ele não entende o motivo do passado, que já lhe trouxe tantas glórias, hoje também o persegue.

- Pode levar o tempo que leve. Se tudo correr bem e a inocência prevalecer, eu estarei aqui - disse Andrada.