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Brasil Afora: Bonsucesso busca novo 'diamante' para voltar à elite do Rio

Clube do subúrbio investe na base para não deixar cair no esquecimento história quase centenária que tem Leônidas da Silva como principal ícone

Por Renata Domingues Rio de Janeiro
estrutura Bonsucesso Estádio Leônidas da Silva 
Entrada do Bonsucesso, no bairro de mesmo nome
(Foto: Renata Domingues / GLOBOESPORTE.COM)
 
Quem chega ao subúrbio do Rio de Janeiro para visitar o Bonsucesso, tradicional agremiação do bairro de mesmo nome, se depara com uma intensa movimentação no hall de entrada. Crianças chegam para aulas de natação, e mulheres entram e saem da feirinha de roupas realizada diariamente no saguão. Há ainda os bailes da terceira idade e o pagode dos fins de semana. Mas para por aí. O campo da Avenida Teixeira de Castro está vazio e assim ficará até que a preparação do time de futebol para o ano que vem se inicie. Enquanto isso não acontece, o clube, fundado no dia 12 de outubro de 1913 por meninos peladeiros de 12 a 16 anos, segue trabalhando pelo objetivo de retornar à elite do Campeonato Carioca e pôr fim, antes do centenário, ao ostracismo que já dura 17 anos.


Aos 97 anos, o “vovô” Bonsucesso tem Leônidas da Silva como principal ícone de sua história. Primeiro superastro do futebol brasileiro, o Diamante Negro, no entanto, não deu os primeiros passos no clube onde, apesar da baixa estatura - tinha apenas 1,65m -, também jogou basquete. Vindo do Sírio Libanês, ele chegou à Leopoldina no início dos anos 1930, então com 18 anos, salário de quatrocentos mil réis, dois pares de sapatos e dois ternos. Ficou apenas dois anos por lá. Tempo suficiente para criar o gol de bicicleta - no dia 24 de abril de 1932, na vitória por 5 a 2 sobre o Carioca, no velho campo da Estrada do Norte - e cravar seu nome no coração do clube . E é apostando no surgimento de um craque que tenha ao menos um pouco da genialidade do Homem Borracha que o Bonsucesso espera se reerguer.

estrutura Bonsucesso Estádio Leônidas da Silva 
Campo do estádio Leônidas da Silva, batizado em homenagem ao primeiro grande nome do futebol brasileiro e maior ídolo da história do Bonsucesso (Foto: Renata Domingues / GLOBOESPORTE.COM)
 
Até o início do mês de outubro, o Rubro-Anil - que nasceu Alvirrubro - mantinha 12 garotos vindos de diferentes cantos do país e média de 17 anos morando na concentração, que fica dentro do estádio batizado com o nome de Leônidas da Silva. Após a eliminação no Torneio Octávio Pinto Guimarães de juniores, todos foram liberados, mas aqueles que têm vínculo com o clube voltam para a disputa da Segunda Divisão carioca.

Leônidas da Silva gol de bicicleta 
Leônidas da Silva marcou o primeiro gol de bicicleta
da história pelo Bonsucesso (Foto: Ag. O Globo)
 
- Temos investido nas divisões de base. Nossa intenção é tentar fazer algum jogador para termos retorno depois. Já tivemos muitos em outras épocas - ressaltou o presidente Zeca Simões, que no fim de 2011 encerra seu segundo mandato e deve tentar a reeleição.

Atacante como Leônidas, o paulista Kayan é uma das apostas do Bonsucesso. Aos 20 anos, ele conhece o ex-jogador da Seleção Brasileira - que pendurou as chuteiras em 1951 depois de também defender Peñarol-URU, Vasco, Botafogo, Flamengo e São Paulo - apenas de nome. Mas a influência do Diamante Negro no Rubro-Anil é tão grande que mesmo sem nunca tê-lo visto desfilar a “sensualidade do craque típico”, como descreveu Nelson Rodrigues, os meninos da Leopoldina o têm como referência.

- Infelizmente não pude vê-lo jogar, mas escutei diversas histórias do extraordinário jogador que foi o inventor dos gols de bicicleta. Sempre que possível tento executar essa manobra, inclusive fiz um gol desta forma em um dos meus primeiros treinos aqui no Bonsucesso - garantiu.

Com contrato vigente até o fim de 2011, Kayan, que já morou em muitas concentrações, aguarda o chamado para retornar ao “hotel” do Bonsuça. Mas enquanto o futuro próximo não se define, o fã de Ronaldo Fenômeno já sabe exatamente o que quer a longo prazo.

Kayan, atacante dos juniores do Bonsucesso 
Kayan, de 20 anos, é uma das promessas do Bonsucesso (Foto:Renata Domingues/GLOBOESPORTE.COM)
 
- Não quero ficar milionário. Quero ganhar o suficiente para me sustentar e ajudar minha família. Também gostaria de fazer um projeto para tirar crianças carentes da rua e comprar uma casa para minha mãe. São minhas duas principais metas - revelou o jovem.

Nos anos 70, outro atacante desponta para o Brasil no Bonsucesso

Além de Leônidas, Barbosa, Manga, Zé Mário e Nelinho, os meninos do Bonsucesso têm outro ex-jogador de ponta para servir de fonte de inspiração. Em 1975, o Diamante Negro, que havia se aventurado como dirigente e comentarista após a aposentadoria, saía de cena devido ao Mal de Alzheimer. Internado em uma clínica para idosos, no interior de São Paulo, ele não viu o então garoto Maurício chegar às divisões de base do clube, com 11 para 12 anos. Também atacante, o jogador, que mais tarde ficaria famoso pelo gol que pôs fim ao jejum de 21 anos sem títulos do Botafogo, em 1989, dividia o tempo entre os estudos e os treinos no clube. Sem dinheiro, inocentemente “pegava” alimentos em um mercado do bairro para saciar a fome.

Maurício ex-jogador Botafogo 
Autor do gol do título estadual do Botafogo de 1989,
Maurício começou na Leopoldina (Foto:Ag. O Globo)
 
- O Bonsucesso foi minha vida. Foi onde eu comecei, e tive a primeira oportunidade. Fui jogar contra o Bonsucesso, e eu e mais três fomos escolhidos. Na Pavuna, onde cresci, o pessoal fez a maior festa. Parecia que eu tinha ido para o Flamengo, pois fui o único que perseverei. Tive uma infância com muita dificuldade. Havia um mercado lá em Bonsucesso onde eu pegava chocolate e frutas. Era sem maldade, mas um dia o gerente me chamou. Eu falei que ia virar jogador e um dia pagar a ele. Aí brigou comigo, mas disse que era só pedir a ele. Saía de casa às 4h da manhã e ficava lá até a noite. Ali aprendi muita coisa: como lidar com as pessoas, me tornar um grande profissional... Com o primeiro bicho que ganhei, comprei um sofá. Foi muito rica essa passagem pelo Bonsucesso - lembrou, orgulhoso.

Hoje com 48 anos, Maurício comanda um projeto que ajuda mais de 150 crianças carentes como o menino que deu os primeiros chutes no Bonsucesso. Mesmo de longe, ele segue torcendo pelo clube que o formou.

- Gostaria muito de poder um dia ajudar o Bonsucesso a se reerguer - garantiu.

Sem esquecer o passado, clube toca o projeto “centenário na Primeira Divisão”

Na atualidade, o tradicional Bonsucesso está mesmo precisando de ajuda. Maior campeão da Segunda Divisão estadual, com seis títulos (1921, 26, 27, 28, 81 e 84), o clube tenta, sem sucesso, o acesso à elite desde 1993, quando esteve entre os grandes do Rio pela última vez. O maior feito foi o vice-campeonato estadual de 1924, quando foi derrotado pelo Vasco na final por 1 a 0. Sete anos depois, já com Leônidas em campo, venceu cinco jogos por goleada, incluindo um expressivo 6 a 2 sobre o Flamengo. Em 2003, um ano antes da morte do Diamante Negro por complicações do Mal de Alzheimer, foi campeão da Terceira Divisão carioca. Em âmbito nacional, o clube, que ocupa a 160ª colocação no ranking da CBF, teve apenas duas participações na Série B do Brasileirão, em 1980 e 83.

Entre os anos 1950 e 1970, o Bonsucesso tentou construir uma trajetória internacional e chegou a ostentar 26 jogos de invencibilidade. O clube suburbano não enfrentou adversários de peso fora do país, mas, ao menos em termos numéricos, foi bem-sucedido, tendo visitado 46 países diferentes e obtido 76 vitórias, 16 empates e 12 derrotas em 104 partidas. Em 1975, participou do Torneio Conde de Fenosa, na cidade espanhola de La Coruña, ao lado de Deportivo La Coruña e River Plate, da Argentina. Foi vice-campeão ao empatar com o anfitrião em número de vitórias, derrotas, saldo de gols e tiros livres na marca do pênalti, mas ficar em desvantagem do confronto direto.

presidente do Bonsucesso, Zeca Simões 
Presidente Zeca Simões investe dinheiro do próprio
bolso no Bonsucesso (Foto: Site Oficial do Clube)
 
Para não deixar cair no esquecimento essas e outras histórias, o presidente Zeca Simões vai garantindo a sobrevivência do Bonsucesso. A falta de sucesso dentro das quatro linhas reflete diretamente nos problemas extracampo. Fora dos holofotes, o clube sobrevive sem patrocínio graças à boa vontade do mandatário e de empresários colaboradores. Ainda assim, os salários de atletas e funcionários estão sempre em dia, algo incomum entre os grandes do Rio. Para fechar as contas todos os meses, o Bonsuça também consegue arrecadar com a realização de eventos na sede e com as escolinhas de natação e judô. O quadro social, que já foi de cerca de 13.500 pagantes na década de 1970, hoje tem apenas 700 pessoas que contribuem com uma taxa de apenas R$ 15 por mês, fora a inadimplência.

- É preciso ser idealista mesmo e ter raízes no bairro. A família tem de estar envolvida também. Para conseguir um patrocínio, teríamos que estar na Primeira Divisão. Mas como vamos conseguir isso estando fora desde 1993? Isso vai deteriorando o clube todo. Fica muito difícil, mas é uma questão moral também. Bem ou mal estamos dando emprego para muita gente - afirmou Simões, que é dono de uma rede de farmácias de manipulação e possui estabelecimentos comerciais no bairro onde nasceu e foi criado.
O ano que vem vai ser nosso. Dias melhores virão"
Zeca Simões
 
Dificuldades à parte, o clube segue lutando pelo objetivo de comemorar o centenário, em 2013, na Primeira Divisão. Depois de boa campanha na Segundona deste ano, o planejamento para o ano que vem já começou. A diretoria conseguiu até uma parceria para fazer uma reforma total no gramado a fim de deixá-lo “à altura do futebol carioca”. Já é um bom passo para começar a reacender o azul e o vermelho do Bonsucesso e dar mais cor ao subúrbio do Rio de Janeiro.

- O ano que vem vai ser nosso e aí vai mudar tudo. Dias melhores virão - previu, otimista, o presidente do clube da Leopoldina.