Eleito melhor jogador do Carioca pelo técnico, meia retribui carinho, mas, tímido, evita o rótulo. Mãe revela que disciplina sempre foi o forte do filho
Estrear no meio do campeonato, não ter posição garantida num setor
muito povoado no elenco e contar com passado no arquirrival em seu
currículo. Isso sem contar com o salário mais baixo do que o padrão das
duas temporadas anteriores. O cenário não era dos mais animadores para Fellype Gabriel,
no fim de janeiro, ao embarcar no desafio que o Botafogo lhe ofereceu.
Mas o meia tinha um trunfo: a indicação de Oswaldo de Oliveira e a
relação desenvolvida com ele.
Escalado como volante na final da Taça Rio, contra o Vasco, o meia
esbanjou maturidade e eficiência, requisitos necessários para que o
chefe e a crítica o apontassem como um dos jogadores mais obedientes
taticamente na atualidade. Tudo isso faz Fellype retribuir a reverência a
Oswaldo, que, segundo ele, após o intenso contato no Japão, devolveu
sua paixão pelo futebol.
A mãe, Shirley, o afilhado Richard e Fellype Gabriel comemoram (Foto: André Casado / Globoesporte.com)
- Ele conseguiu resgatar algumas coisas em mim, essa paixão, essa
vontade de me envolver e de tentar ser perfeito na função que vou
exercer. Não era de assistir muito a jogo de futebol. Em casa, gosto de
aproveitar mais o tempo com a família. Mas de tanto conversarmos sobre
isso no Japão, passei a observar com atenção os rivais, me preparar mais
e gostar daquilo, não só de jogar. Antes, só descobria o que time tinha
de bom quando começava o jogo. Hoje, é bem diferente. E, claro, tinha
de estar pronto para discutir futebol com o Oswaldo (risos) - revelou.
No início, o meia estabeleceu como objetivos acabar com duas prováveis
situações: o peso do passado rubro-negro, que poderia lhe render
críticas a mais da torcida, e a possibilidade de ser tratado como um
queridinho do treinador pela forte ligação que construiu e pelo esforço
feito para sua vinda - foi o único reforço em 2012 que assinou com a
anuência direta do chefe.
- Tinha que dar a resposta em campo. Foi ele que me trouxe, mas não
podia aceitar esse rótulo de protegido. E deu certo. Comecei fazendo o
simples, até sem arriscar muito os dribles. A motivação foi maior por
isso e pela questão de ter sido revelado pelo Flamengo. A gente sabe
como é no Rio. Se eu tivesse ido para outro estado, não haveria
preocupação - admitiu Fellype, frisando que a entrega em campo e fora
dele nunca dependeu do time. - Meu foco é o mesmo, não muda.
Em Portugal e no Japão, o camisa 11 foi improvisado como volante
eventualmente. A facilidade para a função, garante, tem tudo a ver com o
detalhismo dos orientais, que casou com sua postura.
Fellype Gabriel foi o foco nesta segunda-feira
(Foto: André Casado / Globoesporte.com)
(Foto: André Casado / Globoesporte.com)
- O profissionalismo que eles têm te deixa pronto para qualquer
situação. Se você treina muito, como eles, e quer absorver aquilo,
termina batendo bem na bola com as duas pernas, se policia para não
deixar de guardar posição sempre... É uma questão de cultura, é um nível
acima do futebol árabe, por exemplo - avalia o jogador, em explicação
sobre a razão de não ter tido dificuldade de se readaptar,
diferentemente de colegas que sofrem para jogar bem após um tempo fora,
em centros menores.
Fellype Gabriel confessa que no início de carreira não tinha condição
de dar combate, como hoje, com seus sete quilos a mais de massa -
começou com 66kg e agora tem 73kg. Também ficaram para trás os problemas
físicos - operações nos dois joelhos - e fisiológicos - vomitou em
campo duas vezes:
- Era frágil, esperava o contato para cair, e a passagem pelo Kashima
foi decisiva nisso. Meu pensamento é diferente do que no Flamengo. Quero
ajudar o grupo, não penso em mim.
Disicplina se aprende em casa
A mãe Shirley, que o acompanhou na entrevista junto do afilhado
Richard, não tem dúvidas ao afirmar que a disciplina do filho nas quatro
linhas está ligada à educação que deu a ele. Professora de
alfabetização, ela conta que o comportamento de Fellype era exemplar.
- Se eu falasse para chegar em casa às 22h, ele chegava 15 minutos
antes. Já o irmão (Diego, dois anos mais novo) era ao contrário. Então, a
serenidade, o talento e a organização já sabíamos que ele tinha. O
resto, foi do esforço mesmo. Como eu sou professora e dei aula no
colégio que ele estudou, cobrei que conciliasse as aulas e provas com o
futebol. Hoje, Fellype até diz que deu um passo para trás
financeiramente para se firmar no Brasil, algo que ele sempre quis, para
dar dois à frente mais tarde - disse Shirley, concordando com a
atitude.
Marcas das final da Taça Rio e da cirurgia no joelho esquerdo (Foto: André Casado / Globoesporte.com)