Clube admite situação complicada, espera lucro com venda de jogadores e aposta em acordo com o governo para evitar que o buraco aumente
Há pouco mais de um mês, o Botafogo publicou seu balanço de 2011 - e os números chamaram atenção. A dívida deu um salto enorme: pulou de R$ 378 milhões, em 2010, para R$ 563 milhões. Para um clube que faturou R$ 56 milhões no ano, os números são assustadores. Ainda assim, o ambiente no Botafogo é de resignado otimismo, mesmo com um estudo divulgado pela empresa de auditoria e consultoria BDO que o coloca como detentor do maior buraco entre os 20 maiores clubes do Brasil.
O salto da dívida tem uma explicação singela: o clube resolveu adotar um procedimento banal: a correção monetária. Em vez de usar números do passado, trazê-los para o presente. Ou seja, trazer a dívida para a realidade. Um exemplo ajuda a entender a mudança.
Mauricio Assumpção prefere não atacar as gestões anteriores (Foto: Márcio Alves / Agência O Globo)
Nessa conta, existem situações como a que envolveu o atacante Taílson, jogador do Botafogo entre 2001 e 2002, com performance no máximo razoável. Mas, de certa forma, continua em General Severiano. Ele foi comprado ao Sport por R$ 1 milhão com dinheiro emprestado pela TAM, então patrocinadora do Botafogo. Mas o clube nunca pagou a dívida, que foi executada e, quando corrigida, transformou-se num papagaio de R$ 5 milhões.
Essa é a lógica que explica a profundidade do buraco alvinegro. E são surpresas como Taílson que assombram o cotidiano de Maurício Assumpção e do seu time financeiro: o vice-presidente Carlos Alberto Calumby e o diretor Marcelo Murad, além da diretora do departamento jurídico, Joana Prado.
Em quatro anos de gestão, Assumpção pagou R$ 40 milhões em dívidas. E continua com a corda no pescoço. A velha tática de jogar o problema para o futuro, tão habitual no futebol, deixou o clube em situação crítica. Com papagaios invadindo a janela diariamente, é difícil cumprir o orçamento e manter um fluxo de caixa.
- O futuro bate na porta do Botafogo todo dia - disse Calumby.
A dívida trabalhista está relativamente equacionada: o acordo costurado pelo ex-presidente Bebeto de Freitas limitou a mordida dos credores em 15% da receita. No ano passado, isso representou R$ 8 milhões. Mas o acordo só vai até 2007. Os credores posteriores não entram nessa fila e podem gerar penhoras imediatas. A dívida fiscal é a maior (cerca de R$ 80 milhões), mas não ataca o caixa diretamente. A maior inimiga é a cível, que produz aves de rapina súbitas como o voraz papagaio da TAM.
- Não adianta olhar pra trás - disse Maurício Assumpção. - A dívida é do Botafogo. Temos que tentar resolvê-la.
Assumpção não quer culpar os antecessores, até porque parte da dívida foi contraída na sua gestão. A oposição não perdoa: diz que a gestão atual aumentou uma dívida que era de R$ 248 milhões em 2008, último ano da administração anterior. O presidente rebate, dizendo que apenas a corrigiu, o que não vinha sendo feito nos balanços anteriores
- Por isso há esse número astronômico. Mas, quando outros forem corrigir, o número também não será bonito - afirmou.
Segundo os cálculos do departamento financeiro, cerca de R$ 50 milhões são responsabilidade da gestão atual. Ou seja, mesmo tentando equilibrar as contas, segue operando no vermelho. Apesar dos novos contratos de TV, patrocínio e fornecimento de material, o equilíbrio financeiro ainda não veio. No curto prazo, o clube não teve alternativa: buscou mais futuro para pagar o presente, recorrendo a empréstimos e adiantamentos de cotas de TV para conseguir manter um time de futebol competitivo com salários em dia.
- De 2009 para cá, pagamos R$ 40 milhões. Mas, se você tem uma verba para pagamento da folha e surge uma divida antiga, você paga a anterior e tem que ir ao mercado para pagar a obrigação nova. Aumentam os juros e consequentemente aumenta a dívida - explicou Calumby.
A folha salarial do futebol não é das mais altas, mas ainda assim é difícil pagá-la com as receitas garantidas. O cotidiano do departamento de finanças é de ginástica financeira e criatividade - em busca de soluções de mercado.
- O que precisamos agora é de um colchão de liquidez, que nos garanta fôlego para seguirmos o planejamento - resumiu Murad.
O único modo de criar esse colchão é mirar um equilíbrio. Ou seja, além de buscar dinheiro no mercado em troca de créditos futuros, criar novas receitas. E como clube de futebol gera receita nova de volume? Vendendo jogadores. Mas vender jogador é a proverbial faca de dois gumes: apaga incêndios de curto prazo, mas pode piorar o amanhã.
- O Internacional fez isso no início dos anos 2000. Vendeu Nilmar, Daniel Carvalho, Pato. Todo ano um jogador era bem vendido e garantia equilíbrio ao time. Mas para vender precisamos formar ou investir certo. Eles vendiam um e já tinham outro pronto - disse o gerente de futebol Anderson Barros.
Entre 2011 e 2012, pela primeira vez neste século, o Botafogo faturou alto com dois jogadores. Vendeu Renato Cajá para a China por 1 milhão de euros (cerca de R$ 2,5 milhões). E teve um belo lucro com a venda de Cortês (comprou por R$ 1 milhão e vendeu por R$ 6 milhões) para o São Paulo. Ainda assim, o dinheiro é curto para abater a dívida monstruosa e pagar o orçamento até o fim do ano. O clube teve sondagens para vender o goleiro Jefferson e o apoiador Elkeson no ano passado. Nos dois casos, não aceitou. Mas o presidente já informou a alguns assessores que é provável que alguém tenha que sair até o meio do ano.
- A dívida federal é o maior problema - disse Maurício Assumpção. - A Timemania não resolveu a questão. Precisamos buscar uma solução junto ao governo que permita que os clubes consigam pagar. Hoje, a dívida é impagável, os clubes ficam sufocados e nada se resolve. Estamos discutindo uma ideia de criar vínculo técnico junto a uma renegociação da dívida. Quem não pagar o acordado perde pontos ou é rebaixado. Não estamos querendo perdão ou anistia, mas, do jeito que está, não há como pagar.
O acordo está sendo costurado por alguns clubes junto ao ministro do Esporte, Aldo Rebelo. Enquanto esse acordo não vem, o clube corre atrás de uma solução criativa. Usando créditos futuros, está negociando um empréstimo abaixo de juros de mercado com um banco e um grupo de investidores. A ideia é dividir o empréstimo em dois: metade garantiria o sonhado colchão de liquidez de Murad. A outra seria para investir em jogadores, o que seria bom para o time e para o clube, que ganharia 50% de uma possível revenda (ou seja, teria benefício técnico e financeiro). Os juros são menores exatamente porque há essa possibilidade de compartilhar lucro.