No maior desafio, meia crê em sua 'predestinação' ao assumir a camisa 10, se diverte com histórias da Coreia e liga personalidade à carreira precoce
Casado há oito anos, bem-sucedido financeiramente e louco por crianças. Apesar dos requisitos se encaixarem, Andrezinho ainda não tem filhos na união com Carolina. A explicação dada mostra raro amadurecimento em um jogador de futebol: "Não era a hora certa". Estabilizado de volta a uma de suas maiores paixões, o Rio de Janeiro, o meia de 28 anos assumiu, primeiro, outra grande responsabilidade: a camisa 10 do Botafogo, que caiu bem, acredita, mas para preencher o que vem tratando como "maior desafio da carreira" ainda faltam títulos e, para começar, um golzinho.
- Contra o Flamengo, me mordi com aquelas duas bolas na trave. Deve ter sido agouro dos amigos rubro-negros, do pessoal do samba (risos). Tomara que saia um decisivo logo. Mas o pensamento é a longo prazo, dar títulos ao clube. Poxa, já imaginou ser campeão da Copa do Brasil este ano, por exemplo, com tantos ídolos do Botafogo que não conseguiram? - projeta.
Nesta entrevista concedida ao GLOBOESPORTE.COM à beira da Praia da Barra da Tijuca, Andrezinho relembrou o início de sua trajetória, a gratidão e admiração por Rondinelli, que o levou para o Flamengo aos nove anos, contou histórias curiosas da Coreia do Sul e, embora tenha sido considerado prodígio nas categorias de base, garante que jamais se lamentou por não ter alcançado voos mais altos como jogador profissional.
Feliz da vida, Andrezinho aponta para praia: a volta do 'carioca' (Foto: André Casado/Globoesporte.com)
- Queria dar uma condição melhor para minha família, consegui, fiz muitos gols, sempre joguei em alto nível e convivi com grandes caras que eu só via pela televisão. Não preciso de mais - afirmou o meia, que se considera um verdadeiro predestinado, apontando como prova o fato de sua música mais inspiradora ter tocado no som do quiosque da orla na hora em que falava das críticas que quase o derrubaram no início.
- É do revelação ("Tá Escrito"), é maravilhosa. Está vendo? As coisas acontecem comigo, e só Deus pode explicar. Tem quem não acredite nisso, mas eu acredito. Para cantar eu sou meio ruim, mas não tem como não saber a letra, aprendi inteira quando perdemos (Inter) o título da Copa do Brasil para o Corinthians e o meu parceiro Arlindo Cruz me telefonou e lembrou dela. Vai o refrão: "Manda essa tristeza embora, pode acreditar que um novo dia vai raiar, sua hora vai chegar". Isso ficou marcado na minha cabeça, essa música eu levo sempre, principalmente nas horas da dificuldade - revelou.
Confira abaixo a íntegra do descontraído bate-papo com este carioca por adoção, nascido em Campinas, mas criado na pequena São José do Rio Pardo, no interior de São Paulo.
- Tenho carinho pela minha cidade, minha família ainda está lá, mas não dá. Virei carioca!
GLOBOESPORTE.COM: Vamos reviver um pouco de sua infância. Como era sua relação com o futebol e como foram seus primeiros passos em direção ao Rio?
Andrezinho: Até hoje minha mãe fala que não tinha como eu não ser jogador. Ia ao banheiro chutando a bola, não largava para nada (risos). Jogava na escolinha do Flamengo do Rondinelli (ex-zagueiro, apelidado de Deus da Raça), que é da minha cidade. Aos nove anos, ele me trouxe ao Rio pela primeira vez, e o Liminha, que coordenava a base, falou: "vamos federar esse moleque logo". Para mim, era tudo festa. Disseram que era para jogar bola, então eu quis ir. Mas meus pais (Luiz e Erli) choravam muito ao me largar no aeroporto. Se acabou sendo difícil para mim, imagina para eles. Minha ficha só caiu quando fui dormir na primeira noite, no alojamento: "cadê minha mãe para me cobrir?". Quando acordei, pensei: "não estou em São José?". Caí no choro também e demorei para me adaptar, sinceramente.
Descontraído, Andrezinho fala sobre sua carreira e
o Botafogo (Foto: André Casado/Globoesporte.com)
o Botafogo (Foto: André Casado/Globoesporte.com)
Como foram as sete temporadas na base do Flamengo e as primeiras vezes na Seleção?
Um tempinho depois, pedi para voltar, mas não desistiram de mim. Rondinelli, que é um segundo pai, ajudou, e o clube me liberou por seis meses, entendendo a dificuldade. Como o Guarani me queria, quase fui para lá, afinal Campinas era do lado de casa e eu nasci lá. Coisa de rebeldia mesmo. Nunca imaginei que fosse dar certo. Mas cabeça, claro, não é a que a gente tem hoje ou até alguns anos depois. Fiz amigos, fui amadurecendo, passei a sustentar minha família ainda adolescente e pensava em jogar só para ajudá-los. Eu digo que me dei o maior presente ao comprar uma casa para a minha mãe. Quanto à seleção, não tinha noção até ver o Alessandro (lateral, hoje no Corinthians) passar por mim com uma bolsa de viagem. Fiquei pensando que poderia acontecer no futuro. Não deu outra. Em dois anos, eu estava lá.
Com 16 anos, você estava no profissional. Foi bom ou ruim? Já que você ainda não era um jogador pronto e sofreu muitas críticas.
Entendo o lado do torcedor, que age com emoção e não quer saber de formação, idade, nada. Já fui assim. Não adianta ficar p..., aprendi isso. Tanto consegui segurar a onda e fazer meu papel que antes dos 20 anos já tinha 100 jogos com a camisa do Flamengo. Nenhum na história fez isso, pelo menos não antes de mim. O clube não vivia um grande momento, tinha aquela pressão.
Então surgiu a proposta do futebol da Coreia do Sul. Como foi a transição e a adaptação? Quanta coisa mudou na sua vida...
Muita. Foi uma mudança brusca, né? Sair de uma cidade como o Rio de Janeiro, sair do seu país e ir para Coreia do Sul, na verdade para o interior (Pohang Steelers), nem a capital Seul era. Obviamente, eu não conhecia nada e tinha nas mãos o desafio de se adaptar a uma cultura completamente diferente, ainda tendo que conseguir ter sucesso. Foi um amadurecimento que eu carrego até hoje. Eu era muito novo, tinha apenas 20 anos e, quando pintou a proposta, a parte financeira foi o peso maior. Mas o futebol na Ásia vinha se expandindo muito, até porque dois anos antes, em 2002, havia tido a Copa do Mundo lá. Claro que fui com medo, mas encarei de frente e deu tudo certo. Fomos campeões da Liga em 2007 e acabei eleito o melhor jogador do campeonato. Fui o primeiro estrangeiro a ganhar o prêmio.
Nunca tive esse sonho (Europa). Luto todos os dias para fazer o melhor, mas minha maior vitória foi dar condição para minha família e saber que estou bem também para o futuro. Entrei no Maracanã, estive ao lado e contra campeões do mundo, o que mais eu quero?"
Andrezinho
Quais foram as principais dificuldades que você passou?
Bom, primeiro eu tive uma surpresa muito grata quando cheguei na Coreia, que foi a recepção do povo. Eles gostam muito de brasileiros, isso me deu uma motivação maior. Ter carinho, ser respeitado é importante. Mas claro que a dificuldade maior que eu tive foi o idioma. Aprendi o básico depois de um tempo, minha esposa até fez curso e virou minha tradutora.
Quando o médico ou o treinador tinham de passar algo importante, ou era na base da mímica ou ligavam para ela (risos). E tinha o Rogério Pinheiro, zagueiro, que me ajudou muito também. Só no ano seguinte é que contrataram um intérprete. A comida até passava, dava para ir jantar numa boa. Eles têm lá a cultura deles de comer cachorro, eu não entrei muito, não (risos), mas tinha outras opções nos restaurantes e, depois, no próprio cardápio do clube.
Conte uma história sobre a alimentação que tenha sido marcante...
A primeira foi engraçada. Uma vez por semana os coreanos comem cachorro e eu não sabia até então. O cachorro fica na mesa como se fosse um porco mesmo, com focinho e tudo. E eu olhei aquilo ali e os coreanos tentando falar que era para comer, que tinha que comer. Eu não entendia nada e só falava "no, no, no, no, no". Acabei dormindo com fome (risos). Não tinha como, nunca arrisquei. Para os estrangeiros eles faziam um macarrão, tentavam fazer um estrogonofe...
Não era estrogonofe de cachorro, não?
Pode ter sido, né? (risos) Me enganaram. Sempre digo que eu nunca comi cachorro nesses quatro anos que fiquei lá, mas, fui enganado, não tenho como saber. E, pelo jeito, gostei (risos).
Como você vê quando um jogador que vai para um país muito mais parecido com o nosso reclama e diz que não se adaptou?
Até brinco com esses jogadores porque acho que tudo é a sua cabeça. Eu já vi jogador ir para Valência e não se adaptar, ir para Madri e não se adaptar. Fico imaginando se fosse para Coreia. Você ficar quatro anos no mesmo clube, na mesma cidade, onde não tem variedade de lazer. Então acho que a vontade de vencer, de encarar esse desafio e esquecer das dificuldades, trabalhando muito bem isso no psicológico, é que vai te ajudar. Se você for para Coreia e ficar com a cabeça no Brasil, com certeza você não dará certo. Comida, idioma, isso tudo faz parte da profissão. E me adaptei até ao frio, cheguei a pegar -14ºC. Tudo vai da cabeça e da força. Depois de quatro anos é que bateu saudade. Mas voltaria para a Coreia, tanto que minha esposa pensa em voltar nem se for para passear. Ela tem amigas coreanas, temos ótimas recordações e é isso que a gente guarda pro resto da vida.
Kleber e Andrezinho eram inseparáveis no Inter
(Foto: Alexandre Alliatti / Globoesporte.com)
(Foto: Alexandre Alliatti / Globoesporte.com)
Foi lá que você mudou de vez o visual e seu tipo físico, ganhou corpo...
Quando você vai para fora, o trabalho de força é sempre feito, seja Europa ou Ásia. Ganhei uns oito ou nove quilos só de massa nesse período na Coreia. No Flamengo, esse processo não teve tanta continuidade. Subi para o profissional muito cedo, é difícil. E as tranças, como eu disse antes, fiquei no interior da Coreia, não foi em Seul, e realmente não tinha muita coisa para fazer. Teve um dia que eu falei com a minha esposa: "ah, vou deixar o cabelo crescer", e ficou um black power. Mas, como sempre gostei de futebol americano, basquete, do estilo dos americanos andarem mesmo, implementei essas tranças. Achei maneiro e isso eu já carrego há mais de oito anos.
No Inter, ser quase sempre o '12º jogador' não te incomodou? Valeu a escolha?
Claro que eu queria ser titular, mas, desde que cheguei, na minha função havia jogadores de muita qualidade, consagrados e ídolos, como Alex (hoje no Corinthians) e D´Alessandro. Tive sequências nesses quatro anos, mas a maioria do tempo fiquei como opção mesmo. Nunca me incomodou de fato, porque no resumo da minha história no Inter, saí de lá como ídolo. Fui importante para o clube, que foi importante demais para mim. Então, ficam os títulos, os gols, isso ninguém tira. Quis mostrar minha cara, mostrar que o Andrezinho do Flamengo cresceu e encontrei uma estrutura igual à do exterior. Deu mais do que certo, valeu demais.
Como está sendo a recepção no Botafogo e o início do peso da camisa 10?
Venho dizendo que as pessoas costumam me tachar de maluco pelas escolhas que fiz. A ida para Coreia, a volta ao Brasil estando consagrado lá. Mas precisava do desafio novo, sou movido a isso. Meu ciclo no Inter tinha acabado e pintou a oferta do Botafogo. Não pensei duas vezes, era um namoro antigo. Querendo ou não, tenho uma responsabilidade maior pelo esforço feito pela minha contratação e pelos anos que o clube está sem títulos de expressão. Quando eu cheguei aqui no Botafogo, foi só alegria. A recepção que eu tive dos torcedores, da comissão técnica, da diretoria, de todos foi ótima. O grupo me aceitou de braços abertos mesmo, já tenho amigos aqui. Tenho certeza de que como eu fui feliz, como eu fui vencedor na Coreia, no Inter, aqui no Botafogo não vai ser diferente. Podem apostar.
Dá para notar que você é um a pessoa extrovertida, de personalidade forte, se comunica bem e gosta de chamar a responsabilidade. Isso é um jeito seu ou tem a ver principalmente com a maturidade após o início precoce?
Já tinha isso em mim, sim, mais escondido talvez. Aos poucos, com o aprendizado, foi tomando forma e virou uma maneira de agir. Não tem que se esconder, tem de dar a cara na vitória ou na derrota. Nada no futebol é vergonha para ninguém. Todos estão numa Série A ou B por méritos, é uma grande conquista. Sofri por ser assim, tem gente que entende de outra forma, que você quer aparecer. Rondinelli dizia muito essas coisas para mim: "rebobina seu filme, olha para trás. Corra atrás do que você acha certo, questionae, se imponha, com respeito, mas não deixe de falar. Jamais abaixe a cabeça, olha a história bonita que você criou". Hoje, se eu encerrasse a carreira, estaria realizadíssimo por tudo o que fiz.
Andrezinho dá passe marcado por Willians, em jogo contra o Fla (Foto: Satiro Sodré / Divulgação Agif)
Mas para quem foi um prodígio na base, indo à Seleção tão jovem, não fica um pouco frustrado de não ter ido mais longe? Ser protagonista, jogar na Europa...
Nunca tive esse sonho concreto na cabeça. Europa poderia ser uma consequência. Como eu disse, luto todos os dias para fazer o melhor, mas minha maior vitória foi dar uma boa condição para minha família e saber que estou bem também para o futuro. Joguei no Maracanã, estive ao lado e contra campeões do mundo, o que mais eu quero? No Flamengo, dividi quarto com Leonardo. Um dia, entrei e o ouvi falando em italiano. Quando ele desligou, disse que era o Maldini. Pô! Cruzei e tive o respeito de caras assim. Claro que para finalizar a Seleção principal seria um marco, né? É o que falta, mas não me tira o sono.
Com essa visão racional e humilde no futebol, você poderia ajudar muito Jobson e outros jovens. Tem feito isso no Botafogo?
Sim, estou sempre conversando com eles. Elkeson passou por um momento ruim, foi pressionado, mas pedi calma, porque ele vai fazer muito na carreira dele. Isso é normal, não pode deixar afetar. Caio também começou o ano sob desconfiança. E o Jobson é o seguinte: ele teve uma dificuldade e não vai ajudar ninguém enquanto não se ajudar primeiro. Esquece os outros um pouco e se concentra na sua carreira, eu disse. Se quiser, com força e velocidade que tem, ele pode ser um dos caras da Copa de 2014. Basta querer.
Além de evitar comer cachorro na Coreia, o meia assistiu a cenas de espancamento por indisciplina. E fez amizade com um jovem jogador que apelidou de "sacanagem", por aprender e ensinar só palavrões a ele , cada um em seu idioma
Fez muitos amigos nesse meio controverso do futebol?
Tenho alguns, muito carinho por outros, mas pela distância e por certas situações, tenho mais amigos fora. Adriano (hoje no Corinthians) me ajudou muito, frequentei a casa dele. André Bahia (futebol turco), Ibson (Santos), todos daquele time da base do Flamengo que estourou no início do século. Mas tem um que conheci há menos tempo, mas que virou meu irmão. Digo que o amo mesmo. É o Kleber, que segue no Inter, nos tratamos como "manos". Quando tínhamos folga, ele não gostava de eu estar sempre vindo para o Rio. "Para com isso", ele reclamava. Mas eu sou carioca, não dá para ficar longe! (risos)
O quanto te orgulha ter quatro clubes na carreira, sempre com contratos longos (no Alvinegro, são três anos)?
É muito legal isso. Você só fica marcado com títulos e entrega assim. Não gosto de sair antes de dar toda minha contribuição, não desisto fácil. Adquirir o respeito é muito bom. Tem jogador que nem sabe o que é isso. Reencontrar pessoas que te ajudaram por tanto tempo no início e ficam muito felizes em te ver. Mas, claro, não dá para estender a permanência no clube se for perna de pau ou mau caráter. No Inter, me emocionei porque ninguém queria me deixar sair. Na Coreia, os caras que passaram depois por lá, me falam: "você manda aqui! Tem fotos suas espalhadas". Isso é ótimo, é o reconhecimento. Não vim para ser mais um no Botafogo, não vim passear no Rio. Meu objetivo é cumprir o contrato e buscar até o fim essas conquistas.