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Vitória histórica

Acordo garante aprovação do projeto de reforma da saúde de Obama na Câmara

Marília Martins, correspondente de Nova York



NOVA YORK - Foi um domingo para fazer História. O presidente Barack Obama conquistou a maior vitória legislativa de seu mandato ao conseguir os votos necessários na Câmara para aprovar, pela primeira vez em mais de cem anos de lutas no Congresso, uma lei que reconhece na prática o direito universal a cobertura de saúde no país. Com 219 votos a favor - apenas três a mais do que o mínimo necessário - e 212 contra, Obama deixa seu legado num dos setores mais problemáticos da sociedade americana, assegurando subsídios para que 32 milhões de americanos antes desassistidos sejam incluídos no sistema. O texto agora segue para sanção presidencial.

O maior esforço do governo se concentrou em torno dos democratas contrários ao direito de aborto ainda reticentes em aprovar o projeto. Obama precisou entrar na negociação e conversou por telefone ou pessoalmente com 90 deputados no fim de semana. A recompensa veio na votação: cerca de 20 deputados democratas mudaram de opinião na última hora e se declararam favoráveis à reforma. Os republicanos, que votaram em bloco contra a reforma, passaram o domingo entre discursos de protestos e tentativas de adiar as votações. No fim do dia, protestaram contra o resultado e lamentaram a falta de um acordo bipartidário.

O texto foi resultado de duras negociações, que se arrastaram por meses. Depois de muitas emendas, o texto da lei estava longe de ser a reforma que Obama prometeu durante sua campanha presidencial em 2008, mas foi resultado de um consenso possível dentro do Partido Democrata, contornando as oposições de dois grupos poderosos: os "conservadores fiscais", que se opõem a qualquer proposta que aumente o déficit orçamentário americano; e os parlamentares "pró-vida", que se opõem ao uso de recursos públicos para o aborto.

Para abrir caminho rumo a um acordo final para a votação, houve duas preliminares. Primeiro, foi feito um parecer pela comissão de análise de orçamento (CBO) garantindo que o pacote de US$ 940 bilhões previstos para subsídios e deduções fiscais na reforma ao longo de uma década geraria no mesmo período uma redução de US$ 138 bilhões no déficit público federal. Depois, o próprio Obama anunciou que, logo após a aprovação da reforma, assinaria uma ordem executiva reforçando a proibição do uso de recursos públicos para aborto. Com isso, garantiu a adesão de deputados da ala "pró-vida".

Multa para classe média sem plano

Nos últimos dias, o debate na TV e nas ruas ganhou tons dramáticos. Obama decidiu passar a ler pelo menos dez cartas por dia, das milhares que são enviadas para a Casa Branca. E, num de seus últimos comícios em defesa da reforma, citou uma carta emocionante, enviada por Natoma Canfield, uma faxineira de 50 anos de Ohio, que sofre de leucemia e teve a mensalidade de seu seguro-saúde aumentada a ponto de ter que escolher entre pagar a hipoteca de sua casa ou seu plano de saúde. E ela havia escolhido a casa, queria interromper o tratamento para morrer em casa. A faxineira acabou virando símbolo da campanha de Obama, que vê nesta reforma o maior legado de seu mandato.

O texto que saiu do Senado e chegou à Câmara não prevê a chamada opção pública, saída para aqueles que não tivessem condições de arcar com as despesas mensais de um seguro. Mas inclui novidades importantes. Dá descontos maiores de impostos e subsídios para tratamentos e remédios para famílias que tiverem renda anual de até 150% da linha federal de pobreza (que varia entre US$ 10.830 anuais em domicílios de uma pessoa e US$ 37.010 anuais em famílias de oito pessoas ou mais). Há casos em que os subsídios chegam a 98% do preço dos seguros.

A lei também aumenta a cobertura dos programas Medicare e Medicaid, acabando com limites para gastos em medicamentos. Acaba com exceções dos planos para doenças pré-existentes. Impede seguradoras de saúde de cobrarem aumentos abusivos ou taxas extras para cobrirem eventuais prejuízos por ações judiciais por conta de erros médicos. E, acima de tudo, obriga o pagamento de multa para todas as famílias de classe média que não tenham seguro-saúde e para grandes empregadores que não paguem seguros para seus funcionários. As famílias de classe média com renda anual superior a US$ 250 mil também terão aumento de impostos.

Após a votação, as partes do texto aprovadas tanto por Câmara quanto Senado seguiriam para sanção presidencial. Mas os trâmites burocráticos determinam que texto volte para o Senado, onde será redigida a legislação final, incluindo acordos de última hora. Em tese, republicanos ainda poderiam fazer mudanças, mas as chances são ínfimas: os democratas conseguem com folga os 51 votos necessários.