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Lágrimas que ninguém ironiza

 

por Márvio dos Anjos - GloboEsporte.com



 
 Clarence Seedorf, como se sabe, é o mais bem acabado ídolo em atividade no país.


Nenhum jogador seria reverenciado e respeitado em qualquer clube como é o meia holandês do Botafogo. Nenhum jogador inspira mais inveja em qualquer torcedor de qualquer time do país por seu caráter, habilidade e liderança. Nem Neymar. É o Ministro da Autoestima do clube presidido por Maurício Assumpção.

Na última rodada do aconchegante Campeonato Estadual do Rio,  num aumentativo porém honesto Moacyrzão, contra um humilde Macaé, Seedorf marcou três gols e chorou. Pela primeira vez, um estrangeiro que ganhou tudo no futebol europeu vazou lágrimas na quinta rodada da Taça Guanabara. Tudo de uma honestidade incrível, sem o detestável marketing que virou paródia.

Seedorf é dos sujeitos mais reais dos campos brasileiros – e parece cada vez mais autêntico em seu alvinegrismo. Cada vez mais distante, a zombaria do chororô nunca cola no meia, que já demonstrou em outras oportunidades ter sensibilidade e paixão pelo ofício e por quem lhe paga o salário – como se não lhe bastasse ser craque, mentalidade que falta a extraclasses como Ronaldinho e Ganso.

E aí é de se perguntar que projeto o Botafogo, clube, time e torcida, tem para Seedorf. É esquisito pensar num time em torno de um jogador, mas eu diria que o holandês é mais que um mero atleta. Seedorf é um momento único, um motivo para ser botafoguense como nunca.

Seria uma pena desperdiçar esse momento com uma campanha sem títulos, ou reduzida a um Estadual – que é o diminuto legado do último ídolo maiúsculo do Botafogo, o uruguaio Loco Abreu.
Loco merecia mais. Seedorf ainda merece. Seedorf merece um time que queira brigar por uma vaga na Libertadores, de preferência com um título nacional no peito, a fim de que seu último semestre pelo Botafogo – o primeiro de 2014 – possa ser o de uma conquista majestática.

Seedorf é o grande atalho que o Botafogo tem para voltar a ser respeitado como força viva do futebol. É hora de ser muito maior. Não é aceitável que o time passe mais um ano tendo como meta a habitual classificação antecipada para a Copa Sul-Americana.

O Engenhão precisa deixar de ser uma garçonnière na Zona Norte e virar casa, alçapão e inferno de uma vez por todas.

É preciso ter elenco para o Brasileiro, arrojo na janela de transferências e um nível de cobrança condizente com as ambições. Bolívar foi uma contratação correta, Bruno Mendes uma revelação bem-vinda, mas ainda cabe mais ousadia e ainda é necessário mais técnica. Que o Estadual não seja a meta do time de Oswaldo de Oliveira e que o técnico, por mais protetor que seja de seus comandados em seu discurso (que às vezes sonega a admissão de verdades), saiba exigir deles compromisso até o limite.

Com todo respeito ao Moacyrzão, Seedorf merece um palco melhor para derramar as lágrimas de sua provável eternidade alvinegra.

Em tempo: para mim, o fato de a avó de Seedorf ter morrido dez dias antes dos três gols em Macaé não relativiza seu pranto. Se ele chorou como chorou porque queria que sua avó tivesse visto o que ele fez no Moacyrzão, tudo que escrevi está mais do que confirmado.