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Arthur Dapieve: 'O botafoguense é sempre meio desconfiado'

Para colunista de “O Globo”, torcedor do Botafogo só relaxa quando jogo termina. Ele diz que sua paixão pelo time nasceu em um circo

Por Leonardo Filipo Rio de Janeiro

 Quando anuncia que torce pelo Botafogo, o colunista do jornal “O Globo”, Arthur Dapieve, diz que representa uma minoria. Uma brincadeira de quem também não vê problema em vestir a carapuça de depressivo. Em seu espaço às sextas-feiras no Segundo Caderno, suplemento de cultura do diário carioca, Dapieve discorre sobre temas como cinema, música, filosofia, comportamento e futebol. Geralmente quando o assunto é o último, seu time de coração ganha destaque. Quando a maré anda baixa e a cobertura do clube na imprensa se torna escassa, ele faz questão de abrir um parágrafo para falar sobre o time, batizado de “Cantinho do Botafogo”.


 


Em sua última participação em 2011 no “Redação SporTV”, em novembro, o SPORTV.COM bateu um papo com o colunista, quase que exclusivamente sobre Botafogo. Dapieve contou que o início da paixão se deu em um circo. Provocou os flamenguistas quando falou de seu jogo inesquecível, a final do Campeonato Estadual de 1989, apontou Jairzinho como ídolo maior e associou o Glorioso a outros times ao redor do mundo. Para não ficar só no alvinegro, disse que não confia na Seleção Brasileira na Copa de 2014 e que gostaria de ver O Rappa ou o Skank tocando na cerimônia de abertura.

SPORTV.COM: O perfil do botafoguense é o de depressivo, como o fictício colunista Agamenon Mendes Pedreira brinca com você?
Dapieve: É esse e sempre foi. A gente tem uma história bem bonita e vitoriosa. Mas nós somos sempre meio desconfiados. A gente acha que não vai dar certo. Eu só relaxo quando o jogo acaba. Não tem essa de entrar em campo e achar que o jogo está ganho. Pode ser que tenha sido assim na época do Garrincha. Desde então nenhum time tem razão para isso. O único botafoguense otimista que eu conheço é o Paiva, garçom do Jobi (bar no Leblon). O time perdia e ele reclamava para burro, mas antes do time entrar em campo ele era otimista.

Como você se tornou botafoguense?
Meu pai, que é Vasco, me disse: “Escolhe a bandeira que você quiser e esse vai ser o time que você vai torcer”"
Arthur Dapieve
Eu era pequeno, devia ter três, quatro anos. Meu pai me levou para o circo, acho que o de Moscou, no Maracanãzinho. Aí passou um vendedor de bandeiras e o meu pai, que é Vasco, me disse: “Escolhe a bandeira que você quiser e esse vai ser o time que você vai torcer”. Ele é testemunha da final de 1950, então a relação dele com futebol é diferente da minha. Não curte tanto assim. Fiquei na dúvida entre as duas bandeiras que achei mais bonitas: a do Botafogo e a do América, vermelha. Me decidi pela do Botafogo. E meu pai respeitou a minha decisão. Só depois eu descobri que naquele ano, 67, 68, o time era bicampeão da cidade. Então o que me pegou foi a beleza da bandeira, a única do Brasil que não tinha nenhuma letra, só a estrela e as faixas.

Então você virou botafoguense em um circo. Curioso.
Em um circo. Nunca havia pensado neste aspecto.

E quando você se descobriu um botafoguense apaixonado?Uma das minhas primeiras lembranças de ter torcido apaixonadamente foi na final de 1971. Ouvi pelo rádio. O Fluminense ganhou com um gol do Lula. Depois mostrou-se que foi roubado. A narração já dava a entender que o gol não era legal. Eu era muito pequeno, tinha sete anos. Lembro que depois do jogo eu quis bater no meu tio tricolor com o cabo da bandeirinha.

O Botafogo tem uma coisa dramática e emocionante, tanto de derrotas quanto de vitórias épicas"
Arthur Dapieve
Conquistar o torcedor pelo sofrimento é algo especial do Botafogo?
Não acho. O sofrimento é decorrência de uma história de traumas mesmo. O Botafogo tem uma coisa dramática e emocionante, tanto de derrotas quanto de vitórias épicas. O que atrai o torcedor, em geral, para o Botafogo é a história do clube. Não no meu caso, que fui atraído pela bandeira. Tanto que a maior parte dos meus amigos estrangeiros que veio morar no Brasil viraram Botafogo. A história do clube tem uma repercussão diferente para eles do que as dos outros clubes. Fluminense e Vasco têm pouco apelo para eles. Talvez para os italianos no caso do Fluminense.

Portugueses viram vascaínos.
Talvez por aí. Mas o inglês, o holandês, o alemão veem a história do Botafogo que repercute no mundo. Nem o Zico repercute no mundo. A base daquele time que venceu a Inglaterra na Copa de 70 era do Botafogo. Isso é que bate neles.

Já conseguiu ver relações de filme ou bandas com o Botafogo? Alguma obra de arte que expresse esse sentimento alvinegro?
Não. Mas consigo ver outros times cuja história é parecida com a do Botafogo. O West Ham foi base da seleção da Inglaterra na Copa de 66 e tem uma torcida aguerridíssima, talvez a mais violenta de Londres. É uma espécie de academia, gera valores. Na Itália eu torço para a Fiorentina, que também tem uma história identificada com a do Botafogo.

Tem algum show que você gostaria muito de ver?
Dos que estão vivos eu acho que eu já vi quase todo mundo. Nunca vi o David Gilmour, do Pink Floyd, que durante muito tempo foi a minha banda favorita. Esse eu veria sim. O Roger Waters eu vou rever com gosto quando tocar no Engenhão.

Se o hipotético show do David Gilmour fosse no mesmo dia da final do Brasileirão, com o Botafogo tendo chances de título, em qual você iria?
O jogo. Porque o show eu poderia ver mais tarde, aqui ou lá fora. O jogo não se repete. A noite de lançamento do meu primeiro livro foi no dia do primeiro jogo da decisão do Campeonato Brasileiro contra o Santos, em 1995. Não tinha como escapar. Já tinha marcado a data. Eu pedi que levasse uma televisão para a mesa de autógrafos. O Botafogo venceu por 2 a 1 e depois eu fui comemorar no Baixo Gávea.

Qual foi o seu jogo inesquecível?
A final de 89 contra o Flamengo. Foi o primeiro título importante depois de um bom tempo. Era contra um timaço do Flamengo, pelo menos no papel. E o Botafogo jantou o Flamengo nas duas partidas. Segurou a primeira, 0 a 0, depois ganhou a segunda por 1 a 0, que foi pouco. Depois do 1 a 0 o Paulinho Criciúma meteu uma bola no travessão. O primeiro jogo tinha sido tão complicado para o Flamengo que no segundo a torcida deles era absolutamente minoritária. Eles não tinham condições de serem campeões ali. Precisavam ganhar aquele jogo para levar para um terceiro.

Foi mais inesquecível do que o título brasileiro contra o Santos, em 95?
Sim. Não porque foi contra o Flamengo. Mas porque tirou a tampa e a partir daí começou a ganhar títulos. Eu nunca tinha visto o Botafogo ser campeão em um estádio. Ele tinha sido campeão em 67, 68, e eu era muito criança, não ia aos estádios. Tudo o que eu vi antes tinha dado errado. Teve a Conmebol, em 93, que o Botafogo ganhou o Peñarol com um time horroroso, nos pênaltis. Voltando a 89, lembro que o Zico bateu uma falta na arquibancada e logo depois o Botafogo foi para o ataque com Mazolinha e Maurício e fez o gol. E foi um gol de raça. O Maurício pegou a bola, o Leonardo e jogou para o gol. Empurrou? Claro que sim. Eles reclamam até hoje. Quanto tempo dura esse chororô? (risos)

Você estava na arquibancada?
Não, na tribuna de imprensa. Eu estava com os meus colegas de “Jornal do Brasil”, um deles era o Lédio Carmona. Quando eu comemorava, ele dizia: “Comporte-se! Você está na tribuna de imprensa” (risos). Ele estava falando de brincadeira, claro.

Qual e o seu grande ídolo no Botafogo?
Jairzinho. Claro que o Garrincha e Nilton Santos são lendários, mas eu não acompanhei. O Jairzinho eu já o entrevistei, tirei foto, tenho autógrafo. É o cara que me ajudou a ser Botafogo durante muito tempo.

E o jogo mais triste?
O empate no Maracanã com o Juventude pela Copa do Brasil. A torcida do Botafogo encheu o estádio. O time tinha tudo para reverter o resultado e não conseguiu.

A Seleção não me empolga nem um pouco. Eu não assisto mais. Os adversários são ruins e as atuações, horrorosas."
 Arthur Dapieve
E quanto à Seleção para 2014. Tem esperança de que o Brasil faça bonito ou teme por um novo Maracanazzo?
Não, acho que nem vai ter Maracanazzo porque o Brasil, tal como está não chega nem na final. Acho que o Mano não avançou um milímetro em relação ao time que ele pegou. Na verdade, talvez ele tenha até involuído um pouco. Podiam não gostar do esquema de jogo do Dunga, mas tinha um esquema de jogo. Com o Mano eu não enxergo isso. Acho que se nada mudar, não mudar técnico, o Brasil nem chega à final. A Seleção não me empolga nem um pouco. Eu não assisto mais. Os adversários são ruins e as atuações, horrorosas.

Quem você gostaria de ver tocando na cerimônia de abertura na Copa de 2014, no Itaquerão?
Duas bandas mereceriam tocar ali: O Rappa e Skank. Têm boas músicas sobre futebol.