Clube de Petrópolis, Região Serrana do Rio afetada pela tragédia das chuvas, escapa ileso e se reforça para voltar à elite no ano do centenário
O antigo e o mais novo escudo do Serrano, adotado
este ano (Foto: Divulgação)
este ano (Foto: Divulgação)
Após 30 anos em que mal se ouviram tímidos miados, o Leão da Serra ensaia para 2015, ano do seu centenário, rugidos ainda mais fortes do que nos seus longínquos e efêmeros dias de fama. Com um projeto ambicioso, que modificou até o seu escudo, o Serrano Futebol Clube, clube de Petrópolis, cidade da Região Serrana do Rio de Janeiro, recentemente assolada pela tragédia das chuvas que causou centenas de mortes, tenta dar sua contribuição para recuperar a autoestima dos petropolitanos.
O estádio Atílio Marotti, que escapou ileso e foi palco recente de jogo beneficente para as vítimas, é muito lembrado por uma partida histórica. Lá, debaixo de outro temporal, o Serrano impediu o poderoso Flamengo de Zico, Júnior e companhia de conquistar o até hoje inédito - para o Rubro-Negro - tetracampeonato carioca em 1980. Agora, tal como a cidade, o clube tenta se reerguer com o objetivo principal de ascender da Série C do Estadual para a elite do Rio e buscar seu espaço nacionalmente.
Mas o Serrano não é só o famoso gol de Anapolina que derrubou o sonho rubro-negro há pouco mais de 30 anos. É, por exemplo, o clube que primeiro pagou a Garrincha para jogar futebol (em 1953, mesmo ano em que o ponta foi levado para o Botafogo), e onde foram revelados Acácio, ex-goleiro do Vasco e da Seleção Brasileira, e o atacante Kevin Kuranyi, que optou pela cidadania alemã e que já andou jogando pela seleção tricampeã mundial. Apesar disso, na mente do torcedor carioca com mais de 35 anos, o Serrano ainda está associado a Anapolina, autor do gol que derrubou o esquadrão rubro-negro, então campeão brasileiro, na chuvosa noite de 19 de novembro de 1980. No entanto, como está demonstrado pelos nomes citados anteriormente, o clube é muito maior que esse humilde atacante, que estaria esquecido não fossem aqueles 90 minutos de fama.
Agora, a intenção da diretoria do clube é desvincular essa imagem e partir para novos tempos. Com o apoio financeiro de uma empresa de informática sediada na cidade, o clube petropolitano contratou Carlos Alberto Lancetta para dirigir o futebol. E o ex-treinador de atletismo, preparador físico e dirigente de grandes clubes cariocas levou o ex-zagueiro Duílio para ser o técnico da equipe, que já está sendo montada com jovens da Região Serrana e mais alguns reforços de fora. Até agora já chegaram três "guris" da dupla Gre-Nal: o goleiro Jeferson, do Inter; e o zagueiro William, que, de acordo com Lancetta, vem encantando Duílio, e o volante Iago, ambos do Grêmio.
Carlos Alberto Lancetta é o homem forte do futebol
do Serrano (Foto: VIPCOMM)
do Serrano (Foto: VIPCOMM)
- Estamos tentando criar uma estrutura para o clube. Desde 2006 o Serrano passa por grandes dificuldades, e estamos tentando, através de uma parceria com alguns empresários de Petrópolis, recuperar a história e a autoestima do clube e do cidadão de Petrópolis para que tenha participação boa na Terceira Divisão. Nosso objetivo é tê-lo na Série A em 2015, ano do centenário do clube. As dificuldades são grandes, mas vamos reiniciar uma atividade que estava parada, e dentro de uma filosofia nossa, profissional, com transparência, objetivos bem definidos e planos estratégicos.
Lancetta destaca que, apesar da destruição causada na cidade por causa das fortes chuvas há duas semanas, o clube não foi afetado e pôde manter suas atividades normalmente, mas sem se esquecer das vítimas. Tanto que no último domingo foi realizado no estádio Atílio Marotti um jogo beneficente com a presença de jogadores que foram campeões mundiais em 1994, pela Seleção Brasileira, contra o Movimento Esportivo de Petrópolis (MEP), formado por jogadores do Serrano e do Pé de Vento.
O dirigente esteve recentemente como gerente de futebol do Vasco, de julho de 2008 a março de 2009. Além do trabalho no Serrano, Lancetta é coordenador de esportes da Secretaria Especial do Governo do Estado para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpiadas de 2016. E diz que um dos grandes objetivos dos parceiros do clube petropolitano é, apesar das grandes dificuldades atuais, levar a cidade a uma posição de destaque.
- Petrópolis é uma das grandes cidades do estado que não está disputando a Primeira Divisão. É economicamente muito forte, e com um trabalho sério terá a oportunidade de se recuperar rapidamente - afirmou o dirigente, que tem passou pelo Botafogo em 2003, ano em que o Alvinegro garantiu a volta à Série A do Brasileirão.
Para o diretor de futebol, o Serrano lhe dá a oportunidade de, ao contrário dos trabalhos desenvolvidos no Botafogo e no Vasco, fazer tudo com autonomia.
- O elenco será completamente novo, todo grupo está sendo contratado agora, passamos por um processo de seleção, por isso mesmo será um trabalho precursor.
Lancetta explica por que Duílio foi o escolhido para ser o treinador:
- A gente chegou a um consenso de que precisaria de uma pessoa que já tivesse vivência. Ele dirigiu em 2009 o Mesquita, e o Nova Iguaçu antes. Com Duílio, os clubes ascenderam da Segunda para a Primeira Divisão do Rio. E, além disso, tem boa experiência internacional. Já trabalhou no Kuwait, Emirados Árabes, Portugal... Foi auxiliar do Telê (Santana), do (Carlos Alberto) Parreira, é um nome de peso. E comprou a ideia e o projeto.
Com o grupo praticamente fechado, o time vem disputando amistosos e jogos-treinos. Os amistosos foram considerados proveitosos, apesar das derrotas de 1 a 0 para Friburguense e o Tupi-MG, este no último sábado, em Juiz de Fora. Nesta quinta, o time enfrenta fora de casa os reservas do Resende. O primeiro passo do Serrano rumo ao longo caminho de volta à elite do Rio será dado no dia 20 de fevereiro, quando fará a sua estreia no Campeonato Carioca da Série C, em casa, contra o Villa Rio, com os olhos vidrados nas três vagas para a Segundona de 2012. Segundo Lancetta, falta apenas conseguir um atacante de área e um meia.
Duílio (costas) orienta seus jogadores no amistoso contra o Friburguense (Foto: Divulgação)Hoje com a capacidade liberada para apenas 3 mil pessoas, o estádio Atílio Marotti também passará por uma ampla reforma para ser a casa do revigorado Leão da Serra em 2015. A intenção da diretoria do clube é transformar o estádio em uma arena multiuso, que será a primeira da sofrida Região Serrana fluminense.
- Hoje a capacidade total do estádio é de 15 mil pessoas, mas queremos aumentar para receber jogos da Copa do Brasil e da Série D do Brasileiro. E queremos disputar a Copa Rio, porque o campeão escolhe entre Copa do Brasil e a Série D. O projeto da arena ainda está em estudo por um arquiteto que já tem projetos de arenas pelo Brasil e o planejamento ainda não está pronto. A capacidade iria para 20 mil, igual a Volta Redonda (estádio da Cidadania). Não seria só para o futebol, mas uma arena multiuso, com espaço para grandes espetáculos na cidade, o que não existe hoje - afirmou Alexandre Beck, presidente do Serrano desde 2007.
De acordo com a página do clube no Facebook, a Prefeitura de Petrópolis será a principal colaboradora do projeto de reforma e ampliação do Atílio Marotti, embora não vá fazer investimento financeiro no estádio. A Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj) também está contribuindo: já cedeu 15 mil cadeiras e se responsabilizará pelas reformas dos alambrados e do gramado.
O Atílio Marotti, estádio do Serrano, como está atualmente (Foto: Divulgação) Beck já provou do amargor de dias difíceis e agora quer saborear doces momentos. Ele está em seu segundo mandato e foi durante sua gestão que o time caiu para a Terceira Divisão do Rio, em 2008. Mas o futebol petropolitano não vê seu clube na Primeira Divisão desde 1981, quando a equipe caiu para nunca mais voltar. Mesmo assim não deixou de conquistar títulos na Segundona, em 1992 e 99, e se não subiu para a Primeira foi porque o regulamento desses anos previa uma seletiva com equipes que ficaram nas últimas posições da Série A. E o Serrano não obteve sucesso.
Agora, porém, todos só querem pensar grande e para frente. O vice-presidente Waldenir Andrade é o mais otimista de todos:
.- Vocês da imprensa do estado vão ouvir falar muito do clube. Temos inúmeras expectativas para 2011, tais como pagamentos de dívidas diversas para obtermos todas as certidões negativas e captar recursos das leis de incentivos fiscais para até o término do ano o CT ficar pronto, o que será a nossa fábrica de craques. Estaremos até 2013 na Série A do Carioca e até 2015 na Serie A do Brasileiro. Pode nos cobrar.
Jogo histórico de 1980 revelou o goleiro Acácio
http://video.globo.com/Videos/Player/Esportes/0,,GIM718508-7824-N-EM+SERRANO+ENCERRA+O+SONHO+DO+TETRA+CARIOCA+DO+FLAMENGO,00.html
Muito se fala de Anapolina quando se lembra da histórica partida de 1980 (veja no vídeo ao lado), mas poucos se recordam que o melhor jogador em campo foi Acácio, goleiro que depois brilharia no Vasco com várias conquistas e que foi como reserva de Taffarel para a Copa do Mundo de 1990. Ele considera aquele jogo contra o Flamengo importantíssimo para a sua vitoriosa carreira.
- Foi uma das melhores partidas, senão a maior partida da minha carreira. As pessoas normalmente dão mais valor a partidas que fiz pelo Vasco em clássicos, mas esse jogo abriu as portas de outros clubes para mim. Um jogo que praticamente impediu que o Flamengo conquistasse o tetracampeonato - lembrou o hoje auxiliar técnico de PC Gusmão, no Vasco, revelando que na época, além do clube de São Januário, Guarani e Campo Grande-RJ também se interessaram em contratá-lo.
Acácio, que chegou ao Vasco no fim de 1981 e ficou nove anos no clube carioca, ainda se recorda bem da partida:
- Foi um jogo inesquecível. O Anapolina marcou pelo gol e por causa do nome. Alguns daquele elenco jogaram em times pequenos do Rio, mas tínhamos grandes jogadores. Nesse jogo, a equipe demonstrou todo o seu grande potencial, fez uma boa campanha no Carioca e me mostrou para o cenário do Rio. Deu uma alavancada na minha carreira. Tenho um carinho muito especial pelo clube.
Acácio atualmente é o auxiliar-técnico de PC
Gusmão, que foi seu reserva no Vasco (Foto: AE)
Gusmão, que foi seu reserva no Vasco (Foto: AE)
A relação do ex-arqueiro com Petrópolis não se perdeu com a descida da Serra para jogar pelo Vasco.
- Sou casado com uma petropolitana, ando sempre por lá. Quando estou de folga apareço, e continuo encontrando com aquelas pessoas da época, não os jogadores, mas gente da cidade que sempre se lembra do jogo. Sou de Campos, mas já namorava com ela (Andrea), já são 30 anos de casado. Tenho um filho petropolitano também, Acácio, de 27 anos. Então a relação com a cidade é muito boa - explicou o ex-goleiro, que também tem uma filha, Maria Carolina, de 10 anos.
Ao saber que Carlos Alberto Lancetta está no comando do futebol do Serrano, Acácio não escondeu a alegria:
- Sou suspeito para falar do Lancetta, um dos que mais me ajudaram no futebol. Quando o jogador pára, fica meio sem saber o que fazer, e o Lancetta foi um pai para mim. Voltei de Portugal pensando em parar, mas o Madureira queria que eu jogasse lá, fiz contrato de um ano, mas depois de três meses tive uma contusão séria e achei melhor parar, porque ficaria muito tempo sem jogar. E o Lancetta abriu as portas para mim, ao me convidar para trabalhar no Fluminense como treinador de goleiros. Isso foi em 1997, e, em 2003, estava na seleção de juniores, quando o Lancetta me fez o convite para ir para o Botafogo, que estava com Bebeto de Freitas como presidente.
Com o seu amigo no comando do Serrano, Acácio ganhou mais um motivo para torcer pelo seu ex-clube:
- Eu, mais do que ninguém, vou torcer para o Serrano voltar ao principal cenário do futebol do Rio. Fico muito feliz de saber que o Lancetta está no clube, e estou aberto a qualquer coisa que possa ajudar.
