Em entrevista exclusiva ao LNET!, presidente do Botafogo faz balanço de sua gestão e revela dificuldades
Daniel Leal, Hugo Perruso e Leo Burlá
No Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro
O presidente do Botafogo, Mauricio Assumpção, viveu intensamente os dois últimos anos. Pegou um clube em complicada situação administrativa e financeira, enfrentou resistências políticas ("A única coisa que se falava era no impeachment se o Botafogo fosse rebaixado em 2009", conta) e abriu mão da maior parte de seu tempo para se dedicar ao Glorioso. Hoje, se diz recompensado pelos feitos que sua gestão conseguiu, mas quer mais. Em entrevista exclusiva ao LANCENET!, o dirigente fez um balanço do trabalho feito no Alvinegro e revelou os pontos que ainda tiram seu sono. Confira:
LANCENET!: O que você vê de diferente nesse modelo de gestão adotado a partir do início de 2009?
O que eu entendo é que não há um novo modelo de gestão. Há a implantação de um modelo de gestão que qualquer empresa faz no dia a dia. É um modelo de governança empresarial que está aí, já existe. O Botafogo não criou. A única coisa que o Botafogo fez foi trazer esse modelo para dentro do clube, adaptando-o às suas características e ao seu estatuto. Não podíamos atropelar o estatuto.
LNET!: O que mais o assustou na sua chegada ao clube?
Existe uma máxima da odontologia que diz o seguinte: você, cirurgião-dentista, não é responsável por aqui que encontra, mas por aquilo que você deixa. Então, não era da minha responsabilidade aquilo que encontrei. Minha responsabilidade é deixar o clube, em 2011, com atrativos para que mais candidatos queiram ser presidente do Botafogo.
LNET!: O que você planeja deixar para o clube?
Meu sonho é que o próximo presidente possa encontrar um ambiente que ele encontraria numa empresa. Pode substituir uma, duas ou três pessoas? Claro, por pessoas da confiança dele. Mas que a estrutura dos departamentos seja tão enxuta e organizada que encontre um ambiente positivo de trabalho. É o sonho maior em termos administrativos que temos.
LNET!: Se o Botafogo tivesse sido rebaixado em 2009, que mudanças haveria no planejamento do clube para o ano passado?
Se o Botafogo tivesse sido rebaixado, você acha que eu estaria aqui hoje? Politicamente, você acha que eu estaria aqui hoje? As movimentações todas eram no sentido de impeachment do presidente. Não se falava em outra coisa no conselho e nos bastidores políticos do Botafogo. A única coisa que se falava era no impeachment se o Botafogo fosse rebaixado. Essa é uma questão complicada. Futebol tem disso.
LNET!: O caminho para os clubes é mesmo se tornarem clubes-empresas?
A questão do clube-empresa existe por outras questões, até para responsabilização dos atos do presidente. O Botafogo, hoje, tem uma S/A, tem uma companhia Botafogo, tem uma estrutura até diferente nisso. Eu diria que, em algumas situações, ser um clube social sem fins lucrativos é vantajoso, é importante. Não sei se vale a pena abrir mão disso por completo. Acho que esse modelo misto que existe no Botafogo é interessante. O que eu vejo, principalmente em relação ao que temos feitos aqui, é justamente tentar trazer um modelo de governança empresarial que dá certo aí fora para dentro do clube.
LNET!: O Real Madrid talvez seja o único clube do mundo que consegue lucrar independentemente de seus resultados esportivos. Na sua visão, é possível um fenômeno como esse no Brasil?
Acho que é possível chegar num nível parecido com esse. Mas não são um, dois ou três anos de trabalho. Isso demora, cara. Você tem de se planejar em ações para mostrar para esse torcedor o quanto ele é importante para o clube. Que esses resultados só vão aparecer dentro desse contexto. Vem uma temporada ruim e o Barcelona vai estar lá em cima. Você, hoje, pode ter a infelicidade de perder um torneio, mas o torcedor sabe que no próximo você vai estar nas cabeças de novo. Você muda isso, mas a primeira coisa que você tem de mostrar é que o clube mudou também. Para isso, você precisa de prática repetida. O cara vê uma ação hoje e também vê amanhã. Vê um discurso hoje e o mesmo amanhã. Ele vê coerência no que é falado no clube. Aí você começa a ver um cenário parecido com o do Barcelona ou do Real Madrid.
LNET!: De cara, em 2009, vocês cortaram 30% do orçamento previsto para aquele ano. Foi difícil lidar com essa situação?
Desde o início de 2009, que foi um ano extremamente turbulento, tivemos um controle orçamentário rigoroso. No momento de maior sufoco, digamos assim, seguramos a tentação de estourar, na questão do cai não cai. Sabíamos que, se tivéssemos estourado naquela época, não sobreviveríamos para 2010. Foi um risco que o conselho diretor assumiu. Toda a diretoria assumiu. Os caras foram muito parceiros. O André Silva sofreu muito no ano passado com essa questão. Foi duro, foi pesado.
LNET!: Em quais momentos esse planejamento se mostrou decisivo?
Esse planejamento eu acho fundamental, porque, na hora da crise, você comete qualquer tipo de besteira. A facilidade de fazer "ême" em momento de crise é imensa. Foi um planejamento feito sem emoção, sem crise, sem cornetada... O planejamento foi feito com base em estatística, mercado, trabalhos que pegamos de empresas de consultoria.
LNET!: O que ainda pode ser melhorado pela diretoria?
Acho que ainda temos alguns acertos a serem feitos. Quando chegamos, tínhamos toda semana uma reunião com os diretores executivos. Agora, o modelo de reuniões é um pouco diferenciado. Temos um trabalho de metas para cada departamento que é controlado pelo diretor executivo. O conselho diretor se reúne mensalmente. Até em função do que aprendemos ao longo desses dois anos, temos mudado algumas formas de atuação dentro desse modelo que estamos implementando. E aí, meu amigo, isso é clube de futebol, vai ter sempre fator político. Ano que vem é ano de eleição, você vai ver isso mais forte ainda.
LNET!: A sua reeleição já está em pauta? O lado político pode atrapalhar a temporada?
O que tenho dito para todo mundo, e aí acho que o presidente tem de dar exemplo para todo mundo, é o seguinte: chegamos nesse patamar, que ainda não é o ideal, mas é o caminho, porque trabalhamos 24 horas por dia pelo Botafogo. Se formos parar para trabalhar pensando em reeleição de Mauricio Assumpção, talvez a gente comece a fazer um monte de besteiras. A ordem que todos os diretores têm é trabalhar pensando apenas no Botafogo, que esqueçam eleição. Até porque isso não é uma coisa que eu vou decidir já. Vou levar até o último momento que eu puder. São várias coisas que vão pesar na balança dessa minha decisão.
LNET!: O que mais o incomoda por não ter conseguido ainda fazer?
Não ter resolvido ainda a questão do CT me deixa chateado, mas vamos resolver agora, porque o governador (Sérgio Cabral) disse que vai resolver essa situação. E a questão de alguns jogadores que ainda devíamos de 2009 para cá. Isso não era novidade para ninguém. Mas é óbvio que aí tem uma questão de prioridade. Priorizar quem está aqui, quem ficou comigo. Até o fim da minha gestão, tenho certeza de que todas as pessoas com as quais tenho alguma questão para resolver estarão resolvidas.
LNET!: Falta união entre os quatro grandes do Rio?
No ano passado, tentamos fazer uma parceria com uma empresa de bebidas, mas a coisa não evoluiu. Acabamos fechando individualmente, o que é ruim. Acho que tem um problema muito grande quando você coloca os quatro grandes para conversarem sobre isso. Se na hora de conversar sobre essa questão, começarmos com o papo de que "tenho mais torcida, tenho estádio, sou campeão todo ano, de que não sei o quê", não iremos a lugar nenhum. O que eu acho é que os diretores executivos dos departamentos de marketing dos clubes deveriam falar mais entre eles. O problema, amigo, é que tem tanto pepino no dia a dia para resolver, que falta tempo para isso. O que é ruim, porque deveríamos encontrar.
LNET!: Os quatro já se alinharam em relação ao Engenhão. É um indício de que essas parcerias podem dar certo?
Quando deixamos isso mais no nível executivo, a coisa anda. Quando leva mais para o presidencial, às vezes as coisas não andam por causa de vaidade, ego ou qualquer outro motivo. Essa questão ficou muito focada nos executivos dos clubes. E aí a coisa evoluiu, andou.
LNET!: Você ainda vê muito amadorismo nos outros clubes?
O futebol teve uma época amadora e não era só o Botafogo, eram todos os clubes. Não é só a questão de ser amador. Tem muita gente que era amador e era competente dentro do seu modo amador de ser e de gerir. Eu sou amador, porque não sou remunerado. Mas a forma como você vai administrar e gerir o clube é que faz a diferença. Até porque não dá mais para pensar de forma amadora. Você está dentro de um grande negócio. O esporte é um grande negócio.