Aos 18 anos, Luis Guilherme encara a rotina de treinos no clube e as aulas do pré-vestibular. Ele pretende cursar Psicologia no próximo ano
Por Richard Souza e Fred Alencar
Rio de Janeiro
É na sala quatro do segundo andar de um prédio no centro do Rio que um atleta do Botafogo passa três horas por dia. Sentado na primeira fila, é mais um entre os 80 alunos da turma de um curso pré-vestibular. Faz questão que seja assim. Aos 18 anos, o goleiro Luis Guilherme é uma joia do Alvinegro, uma promessa para o gol do clube e uma exceção entre os jogadores de futebol. Dono de uma sincera e transparente simplicidade, o garoto de fala mansa e português quase impecável chama a atenção pela forma como se expressa, pelo estilo discreto e, sobretudo, pela maturidade.
Desde agosto, acrescentou o curso preparatório à rotina de treinos, viagens e aulas de direção para tirar a carteira de motorista. Como qualquer jovem da idade dele, quer entrar na faculdade no ano que vem. Faz parte do seu plano de carreira (e de vida).
- É um complemento. Não vejo você ter uma carreira profissional sem uma formação acadêmica boa. Não é só chegar e jogar bola. A carreira de um atleta termina muito rápido, com 30, 35 anos. No caso de um goleiro, pode ir um pouco mais além, mas depois ainda tem bastante tempo. Tem de saber administrar e ter uma vocação depois do futebol. É uma carreira de risco, né? Qualquer coisa pode te prejudicar e, se não tiver um plano B, fica muito complicado.
Nascido e criado na Pavuna, bairro da Zona Norte, Luis é filho de um marceneiro “que trabalha muito bem” e de uma diarista que há 25 anos presta serviço para uma mesma família. Seu Sérgio e Dona Elisa sempre se preocuparam em incentivar os três filhos a estudar. É irmão de Anastácia e Tailize, de 26 e 21 anos, respectivamente.
Luis Guilherme durante a aula de Geografia no curso pré-vestibular. Rotina puxada pelo sonho da faculdade (Foto: Richard Souza / GLOBOESPORTE.COM
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Aos 18 anos, Luis Guilherme encara a rotina de treinos no clube e as aulas do pré-vestibular. Ele pretende cursar Psicologia no próximo ano
- Sempre tentei conciliar o futebol com os estudos, até pela educação que eu tive. Minha mãe sempre falou comigo da importância de estudar. Até hoje eu venho conseguindo. É bastante puxado, tem o desgaste muito grande dos treinamentos, dos jogos, tem a questão da frequência quando tenho viagens. Quando eu viajo, sempre levo o material, levo meu computador e na internet você acha tudo. Mas já cheguei a levar 600 páginas para uma viagem para estudar para prova. Mas tudo é o fato de você gostar. Você acaba fazendo com mais facilidade. Faço tranquilo, sem nenhum problema. O conhecimento é a única coisa que levamos quando vamos embora.
A rotina do jogador mudou um pouco nos últimos meses. Em junho, ele fraturou o dedo mínimo do pé esquerdo, passou por cirurgia e teve de fazer fisioterapia. Está em fase final de recuperação e volta aos treinos nesta semana. A reportagem do GLOBOESPORTE.COM acompanhou Luis Guilherme em uma noite de pré-vestibular, que termina em outubro. Ainda com o apoio de uma muleta, chegou mais cedo à aula e explicou suas preferências. Fã de História e Geografia, diz que não tem muita facilidade com cálculos. Prefere a área de humanas. É por isso que nem pensa em cursar Educação Física, algo mais comum para um atleta.
"Comecei a fazer o pré-vestibular até pela vontade que tenho de fazer Psicologia. Sempre me identifiquei. Até porque o futebol é bastante emocional. Você está jogando, tem o estádio, casa lotada. Tem de ter um controle." Luis Guilherme, goleiro do Botafogo
- Comecei a fazer o pré-vestibular até pela vontade que tenho de fazer Psicologia. Sempre me identifiquei. Umas das minhas melhores amigas no clube é a Maíra (Maíra Ruas Justo, psicóloga do Botafogo) . Sempre conversamos bastante e eu sempre gostei de estudar o sentimento, você saber a reação das pessoas, como é o jeito de agir de cada um. Até porque o futebol é bastante emocional. Você está jogando, tem o estádio, casa lotada. Tem de ter um controle. E quando você consegue se aprofundar, fica melhor. Me identifico bastante com a Psicologia. As minhas leituras são livros de auto-ajuda, o estudo dos sentimentos, ações e reações. Fica mais fácil. Estou meio que indo contra a maré, mas quando a gente gosta a gente faz.
Fim do segredo

Milton Raphael, Renan, Jefferson e Luis Guilherme:
os goleiro do Botafago (Foto: Thiago Fernandes)
Luis Guilherme atraiu olhares curiosos dos colegas de turma ao entrar na sala acompanhado por um repórter cinematográfico. A maioria não sabia que ele jogava futebol.
- Teve um botafoguense que assim que eu cheguei desconfiou, ficava olhando. Um dia ele chegou para mim e disse: bem que desconfiei que você era o Luis Guilherme, que jogava no Botafogo. Não cheguei a comentar porque é muito difícil ver um jogador num pré-vestibular. Não tinha necessidade de contar. Eu tinha um segredo (risos), mas agora passam a ver diferente. Só que não estou aqui para mostrar que jogo bola. Estou aqui para aprimorar o conhecimento.
Pedro Gabriel foi o botafoguense que o procurou na aula e, sempre que possível, faz algumas observações sobre o time do técnico Joel Santana.
- Quando vi, sabia que o conhecia. Eu treinava no Botafogo e já tinha visto ele treinando. Eu acho muito legal, porque também sou goleiro. Depois de jogar futebol, ele pode buscar algo. Trocamos uma ideia, comento alguma coisa sobre o time, dou palpites.
Nem mesmo os professores sabiam e se mostraram surpresos com a situação.
- Foi uma grande descoberta, uma felicidade, saber que um atleta se encontra aqui.
Eu espero que ele sirva como exemplo para outros jogadores que consigam unir esporte e educação. Como professor, espero contribuir com este sonho dele. É muito bacana. Ele é um rapaz esforçado, presta atenção, tira dúvidas, e muito quieto. Ele mesmo não gosta que as pessoas saibam que ele joga futebol – disse Chileno, que é professor de Física.
Luis conta que no Botafogo as reações são diferentes. Alguns companheiros perguntam se ele será jogador ou doutor, enquanto outros se mostram surpresos. Ele ainda não definiu para qual faculdade vai prestar vestibular. A preferência é por uma instituição pública, desde que não o atrapalhe em campo.
- Vou tentar fazer com que a faculdade não prejudique o futebol e o futebol não atrapalhe o desempenho nos estudos. Se a faculdade tomar muito tempo, infelizmente não vou poder dar continuidade. Já tenho o futebol há muito tempo e vai ser difícil conciliar, mas vou buscar estar na vida universitária no ano que vem.
No simulado do GLOBOESPORTE.COM, nota cinco
Luis Guilherme encara o simulado com dez
questões e leva nota cinco (Foto: Richard Souza)
Um desafio para Luis Guilherme foi preparado. No intervalo entre as aulas de Português, Literatura, Biologia e Geografia, ele teve de responder um simulado com dez perguntas de múltipla escolha. O desempenho foi médio. Acertou duas questões de Inglês, uma de Biologia, uma de História e uma de Geografia.
- Eu sou um aluno nota sete. Não me daria uma nota muito alta, nem muito baixa. Em termos de empenho, dedicação, me daria a nota mais alta possível. Tem de dar valor ao que faz, saber o esforço que a gente emprega para as coisas darem certo. Sou aluno de mediano para bom, não sou nenhum gênio, sou um bom aluno. No teste eu fui mal. Preciso melhorar (risos).
Luis gosta de ser exemplo, mas quer deixar de ser exceção. Seria ideal ter outros jogadores como colegas de turma.
- É muito difícil ver jogadores tentando migrar para a faculdade, mas não é só culpa dos jogadores. Se um jogador de futebol tem talento, da maneira como o futebol gira hoje, ele está ganhando milhões, fortunas. Entre ganhar fortunas e sentar aqui para estudar, muita gente não quer. Mas é fundamental para sustentar o lado profissional, tem de ter os dois. Tem de ter um incentivo maior para os atletas, tem que ter uma base boa no Ensino Médio, no Ensino Fundamental, e criar um sistema de estudo que facilite isso. Não há um planejamento universitário para o atleta. Aconselho a todos, porque o conhecimento é fascinante.
O goleiro treina entre os profissionais do Botafogo desde os 15 anos e tem passagens por todas as Seleções Brasileiras de base (da sub-14 até a sub-19). No início desta temporada, foi sondado por equipes europeias, como o Arsenal, da Inglaterra; Torino, da Itália; Anderlecht, da Bélgica; e Porto, de Portugal. Clubes que pretendiam levá-lo assim que ele completasse 18 anos. Luis Guilherme preferiu ficar e renovou contrato até 2015.