Desencontro de informações, confusões, uma pessoa morta e, para quem conseguiu comprar um dos 30.170 bilhetes à venda, a alegria de um título
Por GLOBOESPORTE.COM Rio de Janeiro
Um dia triste para o torcedor tricolor. Marcado pelo sofrimento, pela total desorganização da empresa contratada para comercializar os ingressos e pelo descaso das autoridades. E, infelizmente, trágico. Evangelista Martins Freire, de 52 anos, morreu após sofrer um infarto na fila formada nas Laranjeiras. Quem tentou comprar ingressos para a partida decisiva entre Fluminense e Guarani, nesta quarta-feira, enfrentou um cenário caótico. Foram 12 horas de confusão. Às 21h01m veio o anúncio de que os ingressos estavam esgotados.
As filas começaram a ser formadas na segunda-feira, quando ainda não havia qualquer informação oficial sobre preços e postos de venda. Mesmo com preços até 150% mais caros, os torcedores permaneceram plantados nos seis locais escolhidos - Engenhão, Laranjeiras, Gávea, Arena da Barra, São Cristóvão e Niterói - para tentar comprar um dos 30.170 bilhetes. Uma prova de amor ao clube carioca, que conquistou o título brasileiro pela última vez em 1984.
Mas o roteiro parecia ser o mesmo de todas as vezes em que uma grande decisão se anuncia no país sede da Copa do Mundo de 2014: cadeiras de praia, colchões, esperança e muito sofrimento. Tinha tudo para não dar muito certo. E não deu.
A venda deveria começar às 9h da manhã desta quarta-feira. Mas problemas no sistema atrasaram a comercialização em alguns pontos do Rio de Janeiro. O nervosismo tomou conta dos torcedores. Principalmente em São Cristóvão e na Arena Olímpica da Barra. Veio o empurra-empurra, a gritaria, a confusão. Gente tentava furar as filas. Quem optou ficar em casa para tentar comprar pela Internet, se deu mal. A prometida venda pelo site Ingresso Fácil - anunciada pela diretoria tricolor - não aconteceu. Desde cedo o site ficou fora do ar, o que gerou muitas reclamações de torcedores nas redes sociais.
Policiais tentam organizar fila de torcedores nas Laranjeiras (Foto: Ivo Gonzalez / Agência O Globo)
A burocracia, a desorganização e o pequeno número de guichês fez a venda ser lenta. Um ponto crítico foi a informação sobre o número de ingressos permitidos por pessoa. Na última terça-feira, havia sido divulgado oficialmente que cada torcedor poderia comprar três ingressos. Mas em quase todos os postos houve registro de quem só pode comprar dois. Na Arena Olímpica, na Barra da Tijuca (zona Oeste do Rio de Janeiro), chegou a ser divulgado que cada torcedor só poderia comprar um ingresso, o que gerou revolta.
Em São Cristóvão, havia inclusive um cartaz em que se dizia que só seriam liberadas duas entradas por CPF.
Uma falha que virou mero detalhe diante de algo bem mais grave: apenas uma bilheteria para atender a milhares de torcedores. A Polícia Militar precisou usar de violência para acalmar os tricolores.
Tensão no ar, acusações e morte nas Laranjeiras
A documentação também foi uma questão delicada. Na Arena da Barra, cada torcedor demorava em média dez minutos para comprar seus ingressos devido ao cadastro do CPF. Em outros locais, o documento era ignorado. Em nome da agilidade, o rigor para evitar que a mesma pessoa entrasse na fila duas vezes virou vista grossa. Todas as bilheterias passaram a não exigir CPF por volta das 11h.
No Engenhão, torcedores acusavam autoridades de furarem a fila para comprar ingressos. Segundo relatos de quem estava na fila, um homem se dirigiu diretamente à bilheteria para comprar cerca de 20 ingressos na Ala Norte. Funcionários da empresa contratada para comercializar as entradas disseram que se tratava de um policial federal. Os torcedores alegavam que bombeiros também compraram ingressos de forma privilegiada.
Mulher desmaiada nas Laranjeiras
(Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)
(Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)
O tempo foi passando e o nervosismo, aumentando. Por volta do meio-dia, um torcedor desmaiou na fila das Laranjeiras quando chegava perto das bilheterias por causa do forte calor. O local já tinha sido palco de uma tragédia mais cedo. Por volta das 7h, Evangelista Martins Freire teve um infarto na fila. Ele era torcedor do Vasco e tentava comprar bilhete para o cunhado, torcedor do Fluminense. Após receber massagens cardíacas, ele foi levado em uma ambulância para o Souza Aguiar (Centro), mas faleceu quando recebia atendimento no hospital, segundo a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Saúde do Rio.
Na Arena da Barra, um senhor passou mal, com pressão baixa, e ficou caído no chão. A ambulância demorou e ele foi levado para o hospital por um dos seus filhos, que conseguiu chegar rapidamente para socorrer o pai.
O problema do desencontro de informações ocorreu também no Engenhão. No fim da tarde, os funcionários das bilheterias do estádio onde será realizado o jogo de domingo anunciaram que os ingressos mais baratos, R$ 60 e R$ 80, haviam acabado. Mas, logo em seguida chegou nova carga de ingressos ao estádio, e torcedores, que já haviam ido embora do local, começaram a retornar ao Engenhão. As bilheterias ficaram abertas até as 21h. Com o retorno da venda de ingressos mais baratos, Maria de Lourdes Castro, que comprou a entrada mais cara, de R$ 150, protestou:
- Com quem eu posso reclamar? Com o Ministério Público ou com a CBF? Estou me sentindo desrespeitada.
Conseguir ingresso valeu como título
Torcedor comemora compra de ingressos
(Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)
(Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)
Devido à demora no atendimento e as informações de que os ingressos estavam terminando, muitos torcedores resolveram desistir da luta e deixar as filas no início da tarde. Até as 15h - seis horas após o início das vendas - apenas 205 torcedores haviam sido atendidos na Arena Olímpica, na Barra da Tijuca. Em meio ao caos, quem conseguia sair com um ingresso nas mãos comemorava como um título. Como Marcelo Jardim. Depois de 36 horas de espera, ele finalmente pôde ir para casa para colocar o sono em dia.
- Valeu a pena o sacrifício. Virou uma família esse pessoal aqui da fila e já marquei com todo mundo para comemorar no domingo. Não vendo esse ingresso por preço nenhum - disse Marcelo, que animou a espera com seu inseparável violão.
Após tanto sofrimento, os cerca de 30 mil felizardos que conseguiram lugar na decisão estão aliviados. No Engenhão, a primeira torcedora a comprar ingresso na fila do Setor Sul garantia ter 'DNA de campeã'. Michelle Malcher nasceu em 1984, ano em que Romerito brilhou na final do Brasileiro contra o Vasco. A fisioterapeuta carregava no colo seu filho Cauã, de dois meses.
- Se tudo der certo, ele também nasceu em ano de título. Vou fazer outro pensando na Libertadores do ano que vem - brincou Michelle.
Mesmo com o anúncio do fim da venda de ingressos, por volta das 21h desta quarta, alguns tricolores decidiram ficar na fila da Gávea à espera de uma nova remessa de ingressos para a manhã desta quinta-feira, embora não haja informação oficial sobre isso.
Participaram da cobertura Cahê Mota, Diego Rodrigues, Fred Huber, Guilherme Maniaudet, Carol Oliveira, Renato Souza e a equipe da redação do GLOBOESPORTE.COM.
Amontoados e revoltados, torcedores protestam no Engenhão (Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)