Presidente do Botafogo no histórico título brasileiro, Carlos Augusto Montenegro revela bastidores da conquista alvinegra
HUGO PERRUSO E VINÍCIUS PERAZZINI
Rio de Janeiro
"Assisti ao segundo tempo de joelhos, rezando e chorando na arquibancada do Pacaembu." Essa poderia ser frase de qualquer alvinegro que acompanhou a final de 95 contra o Santos, mas trata-se do presidente do Botafogo naquela época, Carlos Augusto Montenegro. Conhecido por não separar o lado dirigente do torcedor, Montenegro conseguiu o objetivo de recuperar a autoestima da torcida e entrou para a História do clube com a conquista.
- Foi um campeonato para salvar uma nova geração. Agora o Botafogo precisa ganhar outro assim - admite Montenegro.
Na segunda matéria da série especial do LANCENET! sobre os 15 anos do histórico título brasileiro para o Botafogo, Montenegro conta como foi a montagem do time, a pressão da torcida e as dificuldades financeiras e revela histórias curiosas daquela época.
Especial 95: Veja as histórias sobre o título do Botafogo
A montagem do time
O elenco foi meio por acaso. O Botafogo fez esforço grande para manter Túlio em 95. Trouxemos dois jogadores que estavam esquecidos (Gonçalves e Donizete), mantivemos o Gottardo e alguns jogadores apareceram muito bem. Se você for ver, não tinha nenhum jogador extraclasse, mas encaixou. O grande achado foi uma pessoa desconhecida para mim: Paulo Autuori.
Paulo Autuori
Não conhecia nada sobre ele. Veio da cabeça do Antônio Rodrigues, vice de futebol na época, que trouxe. Fui apresentado a ele e vi que era uma pessoa séria, de caráter, conhecedor. Tirou leite de pedra. Além de ter dado aula de conhecimento, ele conquistou o grupo. Nunca me meti no trabalho dele, só torcia. Autuori ganhou projeção com o Botafogo e não consegui segurá-lo para a Libertadores.
Desconfiança
Eu também não acreditava no título. No terceiro jogo do campeonato, contra o Guarani, passei perto da arquibancada com Donizete, Gonçalves e Autuori. Fomos vaiados, disseram que era técnico português. Reclamaram muito e com ironia.
Dirigente torcedor
Não consigo assistir a jogo direito quando não estou na arquibancada. Tentei manter os meus hábitos e fiz algumas loucuras. Se tivesse que vaiar, vaiava. Mas aquele time foi muito mais aplausos.
Ser duro
Senti certo estresse entre algumas lideranças do grupo, um pouco de ciúme entre eles. Tive de falar grosso. Reuni todos no vestiário e desabafei por uns 40 minutos sem deixar ninguém falar. Isso três dias antes do jogo com o Grêmio. Estava muito nervoso. Sai, pediram para voltar pois os jogadores queriam falar. Entrei de novo, mas falei outros 15 minutos e fui embora sem ouvir ninguém.
Dificuldades financeiras
Ajudava tudo que podia. O time ganhou com três a cinco meses de salários atrasados. Fiz a promessa para alguns que seriam liberados para fazer dependência financeira após o Brasileiro. Toda renda dos jogos e da televisão nos últimos seis jogos foi para pagar o salário dos jogadores, além da premiação pelo título. O Botafogo ficou sem um centavo, mas conseguiu regularizar a situação. A nossa patrocinadora ajudou a pagar o salário do Túlio.
O que marcou
Foram várias atitudes. A humildade do Wágner, a liderança do Gottardo, a garra do Gonçalves, o Túlio iluminado, na melhor fase da vida dele, Donizete machucado e em nenhum momento aceitou ficar fora do jogo. A regularidade do time também marcou. E não posso esquecer duas pessoas importantes: Antônio Rodrigues, que ajudou jogador do próprio bolso, e a capacidade do Paulo Autuori.
A final
Da final me lembro de pouca coisa, fiquei em êxtase. Vi o jogo no cantinho da arquibancada, com vários botafoguenses. Assisti ao segundo tempo de joelhos, rezando e chorando. Depois fui para o vestiário, tomei cerveja, escorreguei e cai. Fiz loucura demais.
15 anos depois
Está gravado no meu coração, não vou esquecer nunca. Foi sensacional. Fico incomodado um pouco de ser o único título. O presidente que está lá tem feito um bom trabalho e chegou perto, montou elenco bom, faltou um pouco de sorte, com as lesões.
Algumas das loucuras de Montenegro em 1995:
Acima da capacidade
“A delegação embarcou por volta de uma hora da manhã e fiz algumas irresponsabilidades. A capacidade do avião era de 104 pessoas e devia ter umas 140. Veio gente em pé nos corredores. Era um voo fretado e convenci o comandante dizendo que não tinha bagagem, iria ser uma viagem rápida de São Paulo ao Rio. Ele me pediu três camisas do Botafogo, que dei na hora. O que mais pesava era a taça do título.”
Torcida no vestiário
“Na vitória por 5 a 0 sobre o Atlético-MG, estava na arquibancada do Maracanã e escolhi uns 50 torcedores. Mandei que me seguissem. Eles desceram e a vibração era tanta que mandei entrar no vestiário comigo. Foi uma confusão. Jogadores e seguranças ficaram preocupados.”
Jogadores no estádio
“Outra vez, peguei Túlio e Wágner, que não iriam jogar, e resolvi levá-los para a arquibancada comigo. Foi o maior sufoco no Maracanã. A própria torcida ficou preocupada, fizeram o certo. Eles foram embora no fim do primeiro tempo.”
Comemoração
“No aeroporto, coloquei o Túlio no carro de bombeiros na frente para o restante descer. O comboio passou pela sede, depois foi para a churrascaria e ficamos até as 7h. Eu estava exausto, bêbado, mas parei numa padaria, tomei café e ainda comprei todos os jornais, que tenho guardados até hoje.”