Quatro envolvidos falam ao GLOBOESPORTE.COM sobre escolha de quem abordar, aumento abusivo na revenda de ingressos e até trambique 'interno'
Entre a tarde e a noite da última quarta-feira, milhares de tricolores voltaram para casa desolados por não terem conseguido um ingresso para o jogo que pode garantir ao clube o segundo título do Campeonato Brasileiro, domingo, contra o Guarani. A batalha, que teve início, para alguns, ainda na madrugada de segunda para terça, viu protagonistas paralelos repetirem velhos esquemas e carregarem centenas de bilhetes não por amor ao Fluminense, mas para se beneficiarem da revenda por valores até 500% mais altos do que o estabelecido. A forma de ação dos cambistas, porém, não é simples, como apontaram alguns deles ao GLOBOESPORTE.COM: envolve mapeamento dos pontos, escolha minuciosa de quem ficará na fila em seu lugar, suborno à organização do evento e até "acordos" com a polícia.
Assim, apesar do anúncio oficial de que os 30.170 se esgotaram em 12 horas, poderiam haver mais de mil "rodando" na praça, na quinta-feira de manhã, pelas mãos dessas pessoas, segundo cálculo de um cambista, identificado somente como Marcos. A maioria deles, agora, assegura que só tem "dois ou três" em posse e que passou, sim, a noite acordado em um dos pontos de comercialização para "levantar um dinheirinho extra".
Policiais contam grande quantia de dinheiro suspeitamente em Niterói (Foto: Globoesporte.com)
- O planejamento do trabalho começa lá atrás, na semana passada. O pessoal (cambistas) se comunica, né, e sabe mais ou menos para onde os outros vão. Eu sofri na fila, peguei sol, e combinei com quatro pessoas para levar uns para mim. Como cada um pode levar três, né... Não quero atrapalhar, não, só poder ajudar a família perto do Natal, nessas épocas é complicado, o olho cresce. Agora, não dá escolher qualquer um (para pedir para comprar). Já saí correndo de gente que queria me bater quando eu abordei. O bom é falar com estudante, que precisa de dinheiro e se assusta - contou o destemido Marcos, informado no meio da conversa que falava com um jornalista, o que não o incomodou muito.
Já saí correndo de gente que queria me bater. O bom é falar com estudante, que precisa de dinheiro"
Cambista 1
Outro cambista, que será tratado como número 2, oferece o suposto par de bilhetes (para os setores Leste e Oeste superior, que custam R$ 80) que lhe sobrou por R$ 250 cada e reclama de quem "traiu" uma certa combinação de preços interna para lucrar mais com o negócio escuso.
- Tem "maluco" querendo R$ 500 "contos", aí é demais. Não faço isso, não. Se você for à rua, lá no Engenhão, por exemplo, encontra. Aos poucos, vai acabando, mas ingresso tem.
Um terceiro elemento disse que não chegou nem a ter 20 entradas e, quando pediu a um colega que lhe fornecesse mais, recebeu dez falsos através de um intermediário. Atento, não pagou e notou que conhecia o homem, o que quase causou uma briga. Já o cambista 4, que contou ser torcedor do Fluminense e que só não venderia o dele, explica a escalada dos preços diante do gasto que se tem para obter o ingresso.
Torcedores fazem lista de chamada para controle
(Foto: André Durão / Globoesporte.com)
(Foto: André Durão / Globoesporte.com)
- Pô, eu comprei por R$ 75 (setor inferior, meia-entrada de estudante) e "morri" em mais uns R$ 120 entre uma pessoa que eu conheço no ponto de venda para facilitar (posteriormente, disse que a tal pessoa recebe uma senha que o intermediário repete ao chegar ao guichê), um PM, que leva os seus, e o rapaz que pegou mais para mim. Como vou pedir menos de R$ 300? - questionou, na tentativa de convencer.
Nas Laranjeiras, onde dois deles citaram ter sido mais difícil para agir, tricolores afixaram na parede uma lista com os nomes dos 45 primeiros que chegaram, enfatizando no papel que, se identificassem cambistas, seriam agredidos. Em Niterói, a reportagem do GLOBOESPORTE.COM fotografou autoridades contanto dinheiro e ouviu relatos indignados de pessoas que disseram ter visto o entra e sai dos policiais na loja autorizada a comercializar com caixas repletas de ingressos.
- Tem quem não aceite, mas sempre há os interessados. Só que está cada vez mais difícil, é um monte de restrição. Sem o Maracanã, é bem pior porque são menos ingressos. Não é tanto mais uma farra, como chamam. E os clubes também têm os esquemas. Quantas (entradas) estão presas com eles para distribuir? - desafiou o cambista 1, Marcos.
Cambista chora ao ser preso, no Engenhão. Caso raro (Foto: Alexandre Durão/GLOBOESPORTE.COM)