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Lembra Dele? Ubiraci Damásio troca arbitragem por trabalho no Detran

Ex-árbitro vira motorista e auxiliar administrativo do departamento de trânsito do Rio e relembra histórias do futebol, como o beijo de Cleberson

Por Mariana Kneipp Rio de Janeiro


O amarelo e o vermelho dos cartões agora aparecem nos sinais de trânsito. A correria em campo foi trocada pela prudência atrás do volante. Mas a convivência com a torcida, essa não mudou nada. A vida de Ubiraci Damásio estacionou no Rio de Janeiro desde que ele se aposentou em 2010. Há um ano e meio, o ex-árbitro trabalha como motorista e auxiliar administrativo no Detran. Ouve brincadeiras dos companheiros de trabalho sobre jogos que apitou e lembra com detalhes da maioria deles. Pênaltis, expulsões, gols e até mesmo um beijo recebido de um jogador no meio do campo (assista ao vídeo acima). Capítulos de uma história de 23 anos na arbitragem.

- Eu fiquei marcado como um ídolo. Não sou jogador, mas a torcida passa na rua e pede para tirar foto comigo. Até hoje. Se não tivesse a imposição da idade, acho que continuaria, pelo menos, até uns 50 anos (risos). Recebo sempre convites para apitar. Tenho feito jogos particulares em clubes e condomínios, fiz o showbol e também apito na liga da Zona da Mata em Minas Gerais. Não consigo parar - afirmou o ex-árbitro, hoje com 44 anos, dois filhos, Marcos Vinicius e João Vitor, e casado com Guacyra há 18 anos.

Ubiraci Damásio, ex-árbitro de futebol (Foto: Mariana Kneipp/Globoesporte.com)Ubiraci Damásio é motorista e auxiliar administrativo no Detran (Foto: Mariana Kneipp/Globoesporte.com)
 
As viagens para manter vivo o gosto pela arbitragem se intercalam com o trabalho no Detran, onde também pretende implementar um projeto sócio-educativo voltado para os esportes, como futebol e atletismo. Na sede no Rocha, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, Ubiraci trabalha em um escritório pequeno, com mais três funcionários, e chefiado pelo diretor de transportes, Augusto Oliveira. Quando precisa sair para fazer a função de motorista, dirige um dos carros populares do departamento. Trabalha de segunda a sexta-feira, em horário comercial. Rotina bastante diferente da vivida em tempos de futebol.

- Não tenho o que reclamar. Faço a parte burocrática, levo os instrutores ao local do exame, trago os malotes com as provas. Até gosto. Mas eu tenho pedido para o meu chefe para não ir mais aos locais dos testes porque quando eu chego o pessoal todo me reconhece. Fica até difícil. Falam “Ah, você é o instrutor, deixa eu passar aí.” Eu não me meto nisso - disse.

Eu sou daquele tempo romântico. Tem que ter polêmica. Se não tiver, não tem graça"
Ubiraci Damásio
 
Onde Ubiraci se mete, apenas para dar sua opinião, é na arbitragem brasileira. Para o ex-dono do apito, a qualidade dos profissionais caiu. A explicação para isso, segundo ele, está na formação dos árbitros.

- No Rio de Janeiro, estamos com péssimos árbitros.  O problema é que não estão dando tempo para prepará-los. Eu fiquei seis anos no departamento amador para depois chegar ao profissional. Agora, estão chegando com dois anos e não têm experiência. O resultado é esse aí. Os diretores das comissões de arbitragem em todo o Brasil estão com essa mania de renovar. Não é assim. Tinham que pegar os rapazes no curso e colocar para apitar infantil, juvenil, juniores, para depois chegar no profissional. Aí teriam rodagem para isso. Não culpo os árbitros. Culpo as comissões - afirmou.

Ubiraci cita o exemplo do árbitro Péricles Bassols, criticado pela atuação no clássico entre Vasco e Flamengo pela última rodada do Brasileirão.

- Péricles é um bom garoto, mas podiam tê-lo lapidado um pouco mais. Ele apitou bem o jogo, mas faltou experiência, malandragem. Eu tive uma passagem parecida. Fui fazer um Bahia x São Caetano e um jogador falou: “Galinha do céu apita?”. Perguntei quem tinha dito aquilo e todo mundo começou a rir. Então expulsei o banco todo. Nenhum jogador de futebol é santo, eles xingam mesmo, e o árbitro não pode responder. Mas o jogador fala contigo e daqui a três minutos ele vai errar lá na frente, aí você pune. Tem recursos pra isso - disse Ubiraci, citando a expulsão do jogador Renato, do Flamengo, que afirmou ao sair de campo que o xingamento ao árbitro teria sido feito por Bernardo, do Vasco.

Beijo de jogador fez filhos brigarem na escola

Ubiraci Damásio ficou marcado por diversos capítulos de sua história. O mais curioso talvez tenha sido o do “jogador beijoqueiro”. Na final da Taça Rio de 2007, Cleberson, do Cabofriense, deu um beijo no árbitro quando viu que iria receber um cartão amarelo por ter cometido uma falta. O episódio é lembrado com bom humor, mas também com uma lembrança ruim sobre as provocações que os filhos tiveram que ouvir na escola.

- Não entendi até hoje, mas dei o cartão pela falta, não por isso. O que me marcou mais foi até pelos meus filhos. Eu fui chamado no colégio porque meu caçula, que tinha seis anos, bateu em um garoto que falou “seu pai é beijoqueiro, é viado”. O mais velho brigou também. Isso foi uma confusão. Quero um dia perguntar para o Cleberson por que ele fez isso. Torcedor fica me chamando de beijoqueiro na rua até hoje. Essa parte foi até legal. Lembro agora com bom humor. Mas na época não gostava de comentar porque eu achava que dois negros se beijarem era complicado (risos) – brincou.