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Declaração Universal do Futebol Bonito



Por Cesar Oliveira:



Ainda não consegui perceber o motivo que faz as pessoas sacanearem um time brasileiro, campeão da Copa Libertadores e vice-campeão mundial só porque ele foi derrotado pelo atual melhor time do mundo.
Eu, por exemplo, adoraria ver o Botafogo disputando um Mundial. Talvez me dopasse para conseguir aturar uma volta ao mundo de avião, apagar aqui, acordar em Yokohama. Mas, para isso, preciso primeiro ver o Botafogo ganhar de um Cobreloa, uma La U, LDU, essas bodegas, conquistar a América e fazer jus a estar na vitrine do Mundial.

Real Madrid 1x 3 Barcelona
Crédito: www.fcbarcelona.com
As pessoas que viram o Santos ser derrotado, de maneira implacável pela máquina de jogar bola do Barcelona, talvez não tenham tido o prazer que eu tive, há duas semanas, de ver o time catalão fazer a mesma coisa com o poderoso Real Madrid – com Casillas, Marcelo, Xavi Alonso, Khedira, Özil, Di Maria, Higuain, Benzema e, como se fosse pouco, Cristiano Ronaldo. E dentro do Santiago Bernabeu com a torcida blaugrana encurralada num cantinho.
Pois o Mourinho botou o Madrid para sair marcando o Barcelona praticamente dentro da sua grande área e, apertado, o goleiro Victor Valdés errou, deu uma bola no pé do atacante merengue, pouco fora da grande área e o Barça tomou um gol com 20 segundos, num Barnabeu babando na gravata de ódio e paixão.

Bandeira Catalunha
Sim, porque lá a coisa não se resume a futebol, é ódio social, é Espanha vs. Cataluña, transcende o jogo de bola. Catalunya no és Espanya.
Enfim, golpeado tão cedo, o Barcelona sentiu, claro, o Real foi mais pra dentro ainda, mas... (todo jogo do Barcelona tem um “mas”...) aí o meio-de-campo do Barcelona começou a “botar os cabeçudos na roda”, uma coisa que eu – e os “coroas” da minha idade cansaram de ver fazer o Botafogo de 1967-68.
Com cinco minutos de jogo, começaram a tomar conta do jogo. O percentual de posse de bola aumentando progressivamente até os acachapantes 76 x 24 finais.

Botafogo de Gérson, na década de 1960:
Da direita para a esquerda, Rogério, Gérson,
Roberto Miranda, Jairzinho e Paulo César.
O Botafogo de Gérson era mais ou menos assim. Tomava a bola na defesa, e saía jogando para atacar com força. Só que o Botafogo saía ora tocando, ora lançando, pois tinha Gérson de Oliveira Nunes – sim, ele, o Canhotinha de Ouro – o maior lançador do futebol mundial em todos os tempos que eu pude assistir.
O Barça, não. O Barça é “més que un club”. O Barça é “toco y se voy”.
É “quem desloca, recebe; quem pede, tem preferência”.


Phil Jackson.
BEBENDO NO BALONCESTO
Tenho para mim que o Barcelona de Pep Guardiola reproduz os conceitos colocados em prática pelo genial Phil Jackson, treinador de basquete da NBA, onze vezes campeão norte-americano – seis com o Chicago Bulls de Michael Jordan, cinco com o Los Angeles Lakers.
Jackson implantou no Chicago uma tática ofensiva que ficou famosa porque criava um triângulo permanente na quadra do adversário, sempre três jogadores trocando bola à espera que um dos outros dois, livres, pudessem chutar pra cesta. Os triângulos se formavam de acordo com a necessidade.

Quando a marcação bobeava, um dos vértices chutava ou penetrava no garrafão. E se a jogada era marcada, a bola voltava para o armador, um armador, quem estivesse por ali, sempre começando novamente um triângulo ofensivo, claro que de olho nos 24 segundos.
Isso podia ser feito porque o basquete vive, só vive, sobrevive, só existe quando os fundamentos são executados de maneira correta.
Bater bola com uma mão, com a outra, andar e correr com ela, mão direita e esquerda, passe de peito, por cima da cabeça, lançamento com uma mão, chutar de perto, meia-distância, de longe, penetrar no garrafão, bater lances-livres, chutar de três... o basquete não existe sem fundamentos.
Seja na escolinha de um clube de um subúrbio distante, seja na poderosa NBA, nenhum treino ou jogo sobrevive se os jogadores não dominarem os fundamentos do jogo. Sem fundamentos, não tem jogo. Sem passe certo, o jogo não sai.

Parece com alguma coisa que você viu domingo?
É o que faz o Barça. Executa um sistema tático à perfeição, com jogadores preparados, treinados e empenhados em realizar o que o técnico pede, cada um dando o melhor de si, para o bem comum.
Se você não sabe, o Barcelona tem uma das equipes mais renomadas do “baloncesto” europeu. Quem sabe Pepe Guardiola não foi beber na fonte do Bulls para inspirar o carrossel.

Aymoré Moreira, primeiro em pé, na esquerda.
REJUNTAR OS CACOS
No dia 9 de setembro de 1968, motivado pela necessidade de rejuntar os cacos da Seleção Brasileira destroçada na Copa da Inglaterra, o técnico Aymoré Moreira reuniu a imprensa na sede da CBF no Rio de Janeiro, e, ao invés de dizer o monte de asneiras que o Muricy Ramalho disse no Japão, fez uma palestra sobre a renovação dos métodos e maneiras de jogar o futebol brasileiro.
Estavam presentes Evaristo de Macedo, Antoninho, Flávio Costa, Silvio Pirillo, Zagallo, Chirol, Ernesto Santos, Zezé Moreira, Orlando Fantoni, Valter Miraglia, Oto Vieira. Dali a quatro anos, o Brasil de novo encantava o mundo. E Aymoré Moreira, ajudando Mario Jorge Lobo Zagallo, “espionava” os times adversários com quem o Brasil iria jogar.
Hoje, jogador não treina (e não desempenha bem o seu papel), treinador não estuda (os “professores” só querem mandar mas não criam nada de novo). Deve ser por isso que, hoje, o Brasil é o quinto do ranking da FIFA (atrás de Espanha, Holanda, Alemanha, Uruguai e Inglaterra).
O caminho até a final da Copa de 2014, no Maracanã, será árduo e complicado. Porque, cabotinos como somos, só mesmo com muita falcatrua é que estaremos na final. Até lá, os cabeçudos a ficarem no meio da roda de bobinho seremos nós, os Santos, Flamengos, Internacionais ou quem quer que se habilite a uma final mundial em Yokohama.

Real X Barça.
Não tenho medo de afirmar que, seja quem for o brasileiro campeão da Libertadores, corre o risco de ser de novo achincalhado pelo futebol simples, bonito e objetivo do Barça.
Para terminar, sugiro a leitura da “Declaração Universal do Futebol Bonito” que o site do FC Barcelona publicou depois da vitória sensacional sobre o Real Madrid. Está no site do Barça, em http://twixar.com/d4GhshMTZpa.

Sobre César Oliveira:
Carioca, quase 60tão, editor de livros de futebol, botafoguense militante, mangueirense apaixonado, tarado por bossa nova, sushi e sorvete, cozinheiro razoável. 

É editor da www.livrosdefutebol.com , formado na Escola Superior de Propaganda e Marketing, no Rio de Janeiro.