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Forte pressão política marca os últimos dias de Zico no Fla

Alvo de duras críticas internas, maior ídolo deixa Flamengo sem realizar mudança alguma no cotidiano do clube

Por Eduardo Peixoto
Rio de Janeiro


Hino do clube estourando na caixa de som, plateia chorando, Patrícia Amorim sorridente entregando a camisa 10. O dia 1º de junho de 2010 marcou a volta de Zico ao Flamengo. Era a esperança de um novo tempo, o resgate de um Flamengo histórico. O desafio era gigantesco e seria encarado por três anos. Mas o sonho durou exatos quatro meses e terminou no meio da madrugada desta sexta-feira, com as luzes da Gávea apagadas e sem ninguém para reverenciá-lo. A mensagem de despedida no site oficial postada no início desta sexta-feira é dura, mas direta e diz que o Flamengo atual morreu no coração dele.

Para a torcida, a decisão foi inesperada, surpreendente. Mas quem convivia com o Galinho notava que a alegria o abandonara há algum tempo. Ele passou as últimas semanas pensativo, tendo que dividir o tempo entre os (muitos) problemas do time profissional e a necesidade de defender-se de uma série de acusações que partiram dos corredores da Gávea e estabelereceram-se no Conselho Fiscal.

Em tão pouco tempo surgiram algumas denúncias. Envolveram os filhos dele em supostas transferências de jogadores para o Rubro-Negro e questionaram a parceria do Flamengo com o CFZ. Acusaram Zico de "terceirizar" as divisões de base para favorecer a empresa MFD, que arrendou o clube dele por dez anos.

Tudo desmentido com veemência e, segundo Zico, facilmente refutável com provas documentais. Mas ele não teve paciência para encarar tamanho desgaste. Notou que a guerra política o atrapalharia e prejudicaria ainda mais o Flamengo, um clube em que todo mundo tem voz.

Zico sofre mesmo desgaste que Júnior em 2004

Zico no aeroporto de Goiânia na última quarta-feira (Foto: Eduardo Peixoto / Globoesporte.com)

Poucas horas antes de comunicar a decisão, o diretor executivo conversou com José Carlos Dias. O ex-vice de finanças foi quem arquitetou a volta dele ao Fla, e notou o ex-craque desgostoso, prestes a desistir do projeto.

- Os que deixaram o Flamengo sem talão de cheques são os mesmos que batem no Zico. Sinto vergonha do que fizeram com o Júnior em 2004 e do que fazem com o Zico agora. Querem derrubar a maior reserva moral do clube a troco de nada. Quem vai ser o próximo? - disse, em tom indiganado.

Outro ídolo da história rubro-negra, Júnior teve problemas semelhantes em 2004. Contratado por Marcio Braga para gerir profissionalmente o Fla-Futebol, ele sofreu com o boicote deliberado da ala amadora da diretoria por causa de meia dúzia de maus resultados.

O caso emblemático ocorreu na contratação do atacante Dimba, conduzida pelo vice-geral Arthur Rocha sem o consentimento do departamento de futebol. Diante do desconforto que a situação causou, Rocha não se fez de rogado e avisou que o "marujo", referindo-se a Júnior, não deveria se meter nas ordens do comandante.

Desta vez, em tom mais brando, o vice-geral Hélio Ferraz disse que haveria cobrança sobre o piloto (Zico). Era um claro sinal de que a diretoria não estava satisfeita com o trabalho. Dentro de campo o time não se encontrou. Os reforços necessários para substituir o Império do Amor - Diogo e Deivid - só chegaram no último dia da janela de transferências.

Àquela altura, o dirigente Zico tinha debitado na conta as contratações de Borja e Val Baiano e a má condução do comando da equipe. Primeiro por manter Rogério Lourenço mesmo com críticas pesadas da torcida. Depois por investir e insistir em Silas. O resultado na tabela é o 15º lugar, com 29 pontos, e a ameaça de rebaixamento.

Mas nada disso foi capaz de abalar o prestígio do ídolo com a torcida. Na internet surgiu o movimento "Com Zico Pelo Flamengo", que visava a apoiá-lo irrestritamente na tentativa de mudar o Flamengo. Nas redes sociais houve comoção instantânea assim que a notícia se espalhou. Chegaram a cogitar que ocorrera uma invasão "de um vascaíno" no site oficial de Zico. Apenas uma tentativa de amenizar a frustração por, mais uma vez, ver o sonho de um novo Flamengo naugrafar.

A política

Zico no dia da sua apresentação à imprensa em 31
de maio (Foto: Reprodução)

- Pronto, a Patrícia conseguiu a blindagem que precisava.

A frase foi dita por um dos conselheiros da oposição assim que Zico aceitou o cargo de diretor-executivo do futebol rubro-negro. E foi assim nesses quatro meses. Patrícia Amorim teve um início de mandato conturbado, com mil e um problemas no futebol que terminaram com a saída do vice de futebol Marcos Braz e do técnico Andrade no meio da disputa da Taça Libertadores.

A eliminação nas quartas de final e o "abandono" por quase dois meses do departamento de futebol aumentaram a pressão. A oposição preparava ataques ferozes à Patrícia e a sensação era de que pretendiam tirá-la à força da cadeira de presidente. Mas, habilmente, a dirigente conseguiu o melhor escudo: o maior ídolo da história rubro-negra para auxiliá-la.

Só que nem Zico ficou imune aos questionamentos. E a mira voltou-se contra ele rápido demais. Patrícia chegou a dizer que ele estava "assustado" com a avalanche de questionamentos e garantiu que o bancaria. Sabia que, no fundo, ele era uma grande segurança política. Que já não existe mais e novamente colocará a capacidade dela de administrar crises à prova.