História do Carapebus, o 'time sem salário', vira livro contado por jogador
Mesmo com as dificuldades, time conseguiu subir de divisão. Meia João Paulo, incentivado pelos companheiros, decide eternizar o que passou
No futebol e no esporte em geral, um grande profissional pode ser aquele que tem espírito amador. É o caso da Associação Atlética Carapus, time que disputou a Terceira Divisão do Campeonato Carioca deste ano com um "pequeno" detalhe: a diretoria não tinha dinheiro para pagar os salários, e mesmo assim os jogadores aceitaram participar. E foram longe: conseguiram uma das vagas para a Série B. Uma história que poderia ser ficção, mas é realidade e vai ganhar as páginas de um livro. Tudo escrito por um jogador do próprio time, o meia João Paulo.
- Por estar jogando de graça, isso ia ficar marcado, na história e tal, mesmo que a gente não conseguisse, ia ficar marcado por estar trabalhando de graça. Eu comecei a escrever algumas coisas, coisas que aconteciam no treino, coisas que aconteciam nas viagens para para guardar de recordação para mim. Então, em uma viagem eu compartilhei com o Dudu (companheiro de time). Eu falei: "Dudu, tem algumas coisas escritas lá em casa, para ficar na memória, para guardar". Ele respondeu: "É mesmo? Faz um livro, rapaz, faz um livro". A galera começou a botar pilha, zoar, zoar, e saiu a ideia - explicou João Paulo.
As primeiras linhas do livro de João Paulo remetem ao fim de 2010. Foi quando o ex-jogador Luciano Lamoglia, vice-presidente e técnico do Carapebus, foi procurado pelo prefeito e pelo vice-prefeito da cidade para montar um time e disputar a Terceirona do Rio. O clube estava fora das competições desde 2006, mas o treinador conseguiu montar um grupo. Em janeiro, no entanto, veio a notícia ruim.
- Eles me chamaram no gabinete da prefeitura, e eu naquela ansiedade, achando que estava tudo certinho para sair o dinheiro para a gente pagar os jogadores. Pediram para eu desistir da competição, pois não teria como o dinheiro chegar nas minhas mãos - explicou Luciano.
E o pior: ficou a cargo do próprio Luciano comunicar os atletas a notícia.
- Eu chamei todos eles e perguntei quem queria se levantar e ficar do meu lado. E aquele que não pudesse, poderia ir embora. Vinte e dois jogadores levantaram e falaram: "Professor, eu estou com o senhor". E dois tiveram dúvidas porque são casados.
Apesar dos problemas, os jogadores abraçaram a causa. Até mesmo os dois atletas que ficaram em dúvida aceitaram continuar no time, embora um deles não pôde continuar porque quebrou a perna.
O time sem salários foi longe. Depois de ficar em 16º de 16 clubes na primeira fase, virou a tabela de ponta-cabeça na segunda fase e terminou líder. Na terceira, abocanhou a primeira posição novamente.
A comissão técnica do time não tinha médico ou preparador físico. Evilásio era o responsável por exercer diversas funções, como roupeiro, massagista, massoterapeuta, contabilista... Alguns jogadores, como Maikinho, tinham profissão paralela a de jogador de futebol.
Havia também a dificuldade com a moradia dos jogadores. A casa do treinador foi transformada em concentração durante o campeonato. Sem camas, os atletas tinham que se virar em colchonetes. Dez deles, que vieram de fora, moravam lá. Nas noites que antecediam os jogos, a população aumentava para 24. A união do grupo não era só uma frase de efeito.
A história do Carapebus na Série C teve até pitadas de humor negro dos adversários.
- Alguns jogadores ficavam zoando: "Vamos apostar seu salário no meu? Se eu fizer um gol, vamos apostar o seu salário no meu?" - recordou João Paulo.
Mas o Carapebus venceu as dificuldades e chegou à semifinal. Dos quatro, os três melhores garantiriam vaga para a Segundona de 2012. O Carapebus perdeu para o Juventus e teve que disputar o terceiro lugar contra o América de Três Rios.
No primeiro confronto, disputado em Quissamã, goleada de 4 a 1 do Carapebus. No segundo, em Três Rios, 1 a 1 no intervalo. O autor do livro, João Paulo, teve uma crise de hipertensão por causa do esforço no primeiro tempo e foi atendido de ambulância. Não teve forças para voltar. Mesmo sem ele, o Carapebus fez mais um, sofreu outro, e segurou o 2 a 2 que lhe deu a vaga. Hora de comemoração para quem tanto buscou essa classificação.
- Obrigado, Deus. Obrigado, Deus. O senhor foi fiel. O time sem salário subiu! O time sem salário subiu! O time sem salário subiu! - gritou Luciano.
- Amor à camisa não é amar só a camisa, não. É amar o outro que está do lado, com dificuldades. Dormir no colchão sem grades, pois não tinha beliches. Vinte e quatro jogadores, vocês presenciaram lá. Isso é amor à camisa.
O livro de João Paulo, então, pôde ganhar um último capítulo. As palavras são de quem participou como personagem e autor.
"Na nossa última conversa em grupo, depois que passou toda euforia do acesso, só havia os jogadores sentados onde passamos os últimos seis meses dormindo nos colchonetes. E rolava o assunto: será que vamos conseguir um novo emprego? Será que vamos conseguir viver do futebol? O Salada, um dos jogadores, entra na sala e diz: 'Amanhã, não vamos mais estar aqui. Vai ser ruim. Vamos sentir saudades, mas sabemos que estamos preparados. Estamos lapidados. Nosso caráter, nossa atitude, nossa visão e até nossas virtudes são outras. Se vai ser no futebol ou não, não sei. Mas onde quer que seja, vamos conseguir'."