Tecnologia disponibilizada por empresa faz Alvinegro criar extenso banco de dados que integra departamentos e analisa adversários
Integrantes da Tempo Real: projeto pioneiro
(Foto: Gustavo Rotstein / GLOBOESPORTE.COM)
(Foto: Gustavo Rotstein / GLOBOESPORTE.COM)
Durante o tratamento da quarta cirurgia sofrida alternadamente nos dois joelhos, o botafoguense Glauco Guimarães se impressionou com a rápida melhora. Assim, teve a curiosidade de analisar mais a fundo todos os procedimentos e entender o motivo de tanta diferença entre uma recuperação e outra. Em uma conversa com seu fisioterapeuta, decidiu adaptar para o esporte o serviço de coleta de dados e cruzamento de informações que a Tempo Real, empresa da qual é presidente, presta para diversos órgãos públicos e privados, principalmente na busca pela solução de crimes. Foi dessa maneira que o Botafogo passou a dispor da ferramenta, considerada pioneira no mundo do futebol.
Foi ainda com a comissão técnica comandada por Ney Franco, em 2009, que o Botafogo passou a utilizar a versão esportiva do programa que, a pedido do Senado Federal, cruzou 66 milhões de informações na CPI dos Correios, na investigação dos acusados de envolvimento no Mensalão. A ferramenta, criada por ex-integrantes da Scotland Yard (agência de investigação britânica), é utilizada por cerca de cinco mil agências em todo o mundo, incluindo o FBI americano e a Polícia Federal do Brasil.
- O desafio foi adaptar para o esporte uma ferramenta utilizada em todo o mundo somente para investigações em área de inteligência, que serve para analisar grandes volumes de dados e apontar a materialidade e autoria de qualquer tipo de crime. Hoje, o Botafogo e a Tempo Real são pioneiros. Desafio qualquer clube a mostrar um banco de dados tão rico e fácil de ser manuseado como o do Botafogo. Foi um casamento perfeito - disse Glauco Guimarães.
Extenso banco de dados elaborado com ajuda de profissionais do Botafogo
O primeiro passo foi armazenar no banco de dados, por meio da ferramenta chamada Sector, todas as informações relacionadas ao departamento de futebol. Isso inclui exames médicos, tratamentos de fisioterapia e tipos de treinamentos no campo, passando por contratos dos jogadores e atuação dos árbitros no Campeonato Brasileiro, por exemplo. Qualquer dado postado no banco pode ser visualizado pelos profissionais do clube (desde que tenham autorização, dependendo de sua área de atuação) e, assim, o trabalho torna-se integrado.
- Os profissionais do Botafogo se reuniram conosco para a elaboração do banco. Registramos toda e qualquer ação da rotina dos jogadores, sejam treinos, tratamentos médicos ou contratos - explicou Marcelo Xavier, analista de sistemas da Tempo Real, que trabalha diretamente com o Alvinegro, acompanhando treinamentos e partidas.
Linha temporal exibe todos os eventos relacionados a jogador específico em sua passagem pelo Botafogo (Foto: Divulgação)
Ao acompanhar todo procedimento de um jogador - como carga de treinos, lesões e tratamentos - é possível, segundo os usuários do banco de dados, até mesmo saber se ele está propenso a uma lesão e, assim, poupá-lo de um treinamento. Com o cruzamento de informações de várias áreas, é criado automaticamente um relatório sobre as condições de cada atleta, incluindo até os da categoria pré-mirim do clube.
- Anotar o que aconteceu num treino, por exemplo, todo mundo anota. Mas há alguns detalhes que não são notadas. Por exemplo, as observações feitas por vários médicos diferentes podem não saltar aos olhods se forem anotadas manualmente e ficarem esquecidas numa folha de papel sem que se possa relacioná-las com outros eventos. Num simples teste físico numa esteira há 4.400 variáveis por jogador. Mente alguma consegue processar isso e tirar conclusões - destacou Altamiro Bottino, fisiologista do Botafogo, que é um dos maiores entusiastas do projeto e auxiliou a empresa no desenvolvimento do programa.
Segundo Bottino, a ferramenta poderá, em determinado momento, apontar que um jogador está sujeito a sofrer uma lesão que dificilmente seria identificada com simples observações.
- Vamos conseguir notar que uma atadura ou até uma chuteira utilizada por um jogador vem causando lesões - destacou.
Análise de adversários e de comportamento dos árbitros
Dessa forma, um médico do Botafogo que eventualmente esteja fora do Rio de Janeiro consegue, pelo seu computador, onde quer que esteja, observar como foi a cirurgia no joelho de um atleta. Na temporada de treinos do Alvinegro durante a última Copa do Mundo na Granja Comary, em Terespólis, o departamento médico conseguiu acessar o último exame médico do volante Somália para observar qual era a evolução de sua lesão.
- Normalmente seria preciso pedir a alguém que fosse ao Rio de Janeiro buscar o exame para que ele fosse analisado na Granja - exemplificou Altamiro Bottino.
Tecnologia analisa chutes a gol do adversário
(Foto: Divulgação)
(Foto: Divulgação)
Mas o volume de informações à disposição do Botafogo não se restringe aos departamento médico e físico. Por meio do programa StatDNA, o clube recebe uma ampla variedade de dados estatísticos sobre seus adversários. Jogadores que mais chutam a gol, de onde preferem chutar e em que parte da baliza a bola costuma entrar são alguns deles. Além disso, o técnico Joel Santana pode saber como normalmente costuma se comportar uma equipe no primeiro e no segundo tempo e por onde o time prefere atacar, por exemplo. O Alvinegro também tem acesso até a informações de árbitros: quais dão mais cartões amarelos e vermelhos e em que período do jogo usualmente punem os atletas.
Em cada um desses itens há trechos das partidas em vídeo que exemplificam e ajudam a comissão técnica do Botafogo a estudar melhor os adversários. Além disso, o programa produz relatórios com a análise completa da equipe que o Alvinegro enfrentará em breve.
Se Joel Santana se mantém fiel à velha prancheta, também se mostra aberto ao uso da tecnologia para avaliar seus jogadores e analisar os adversários. O auxiliar Jair Ventura, que atualmente serve à Seleção Brasileira sub-17, é o principal elo entre o recurso tecnológico e o treinador alvinegro no momento de transmitir detalhes que podem decidir qual será a formação do Alvinegro em determinada partida.
Para Marcelo Xavier, da Tempo Real, a aliança entre tecnologia e futebol ainda sofre certa resistência, mas, para ele, o Botafogo poderá servir de exemplo para outros clubes em um futuro próximo.
- A tecnologia é um desafio, não só pelo que pode produzir, mas também por ainda existir um paradigma de que ela substituirá o profissional. Isso não acontece. Trata-se de uma ferramenta - observou.