'Terra estrangeira', Brasil se destaca no mercado internacional até junho
País lidera lista entre os que mais movimentaram atletas no semestre: é quem mais faturou e o segundo que mais gastou, atrás apenas da Rússia
A fase importadora do futebol brasileiro levou a Fifa a produzir um
artigo em sua página oficial na última segunda-feira. "Brasil, terra
estrangeira", diz a reportagem, valorizando a chegada de renomadas
estrelas do planeta bola como o holandês Clarence Seedorf, do Botafogo, e o uruguaio Diego Forlán,
do Internacional. No mesmo dia, a entidade máxima do futebol divulgou
também em seu site dados sobre o TMS (Mercado de Transferências Global,
em inglês), ferramenta lançada para regulamentar as contratações de
jogadores profissionais do mundo inteiro. Não foi por acaso: o Brasil já
deixou de ser mero coadjuvante quando o assunto envolve altas cifras.
Zé
Roberto é apresentado no Grêmio: contratado em junho, meia faz parte
dos 708 brasileiros que movimentaram o mercado no primeiro semestre
(Foto: Diego Guichard/Globoesporte.com)
No primeiro relatório de 2012, que contabiliza os negócios realizados
somente entre 1º de janeiro e 30 de junho, o país aparece no topo da
lista entre os que mais movimentaram atletas, com 14,2% das 4.973
transações - Seedorf e Forlán, contratados em julho, por exemplo, não
fazem parte da conta. Foram 708 ao todo (478 chegaram, enquanto 230
saíram), totalizando uma renda de R$ 132,5 milhões - em média, R$ 576
mil recebidos por cada venda.
Os gastos foram semelhantes: R$ 126,52 milhões, com média de R$ 264
mil. Nesse último quesito, o Brasil ficou atrás apenas da Rússia,
responsável por R$ 131,3 milhões em investimentos. Muito por conta do
Anzhi e CSKA, por exemplo, que compraram o congolês Samba e o brasileiro
Mário Fernandes por quase metade do montante: R$ 62 milhões (só o brasileiro custou R$ 38 milhões).
Números não empolgam, diz advogado especializado
Contratação de Mário Fernandes foi a mais cara da
Rússia no primeiro semestre de 2011 (Site Oficial)
Rússia no primeiro semestre de 2011 (Site Oficial)
Os números, no entanto, apresentaram uma queda em relação ao mesmo
período de 2011. As 4.973 transferências representaram 9% a menos,
enquanto a receita de verbas diminuiu 34% (quase R$ 600 milhões a
menos). Os orçamentos reduzidos deram lugar às apostas "custo zero",
casos justamente de Seedorf, Forlán e do zagueiro Juan
(Inter), todos contratados após o término de seus vínculos com os
antigos clubes. Um mercado que representa 72% do total - mais os 8%
referentes a volta de empréstimos - e não empolga o advogado Marcos
Motta, jurista especializado em direito esportivo.
- O Brasil, através da CBF, é o país que tem mais clubes filiados na
Fifa. E consequentemente o maior número de registro de TNS. Os números
já foram maiores, a média anual é de cerca de 1.000 jogadores, salvo
engano. E se for comparar o Campeonato Russo com o Brasileiro, a
quantidade de clubes aqui e de lá, e quantos desses clubes fizeram
contratações... Não me impressionam. A Rússia comparada com o Brasil não
é ninguém - disse Motta.
O fluxo aqui é muito mais de janeiro até agora, enquanto na Europa o forte são julho e agosto"
Marcos Motta, advogado
Para o advogado, o resultado a favor do Brasil tem uma grande explicação:
- O Brasil tem o que chamamos de overlap season, ou seja, a temporada é
trocada com a da Europa. O fluxo de negócios aqui é feito muito mais de
janeiro até agora, enquanto na Europa os meses mais fortes são julho e
agosto. Isso facilitou. A comparação tem que ser feita em todo o ano,
não apenas em seis meses - afirmou, antes de citar as ligas mais
famosas.
- A França, com um campeonato infinitamente menor, já bateu o número do Brasil em duas semanas só com Ibrahimovic e Thiago Silva
(aproximadamente R$ 160 milhões juntos). Imagine o que será da
Inglaterra, Alemanha, Espanha nesses dois meses. Contratações como
Lucas, Oscar... Passa e passa por muito.
Transferências de Ibrahimovic (foto) e Thiago Silva já colocariam França à frente do Brasil (Foto: Reuters)
Salários são o ponto forte
Não há como negar, no entanto, que o Brasil atravessa um momento
favorável. Seja pelos reforços de jogadores com carreiras sólidas na
Europa ou pela manutenção das jovens estrelas, o Campeonato Brasileiro
tornou-se um atrativo com tantos destaques. Além dos já abordados
Seedorf, Forlán e Juan, nomes como Zé Roberto, Kleber, Oscar, Leandro
Damião, D'Alessandro, Neymar,
Ganso, Lucas, Luis Fabiano, Paulinho, Emerson, Deco, Fred, Vagner Love,
Juninho Pernambucano, Dedé, Renato, Ronaldinho Gaúcho, Bernard,
Montillo, entre outros, adicionaram qualidade a uma competição conhecida
pelo aumentativo. O Brasileirão aquece como a economia. E reflete nos
altíssimos salários pagos a todos os atletas supracitados.
- O futebol brasileiro está numa curva de crescimento, é indiscutível.
Segurar os jovens craques era algo impensável há tempos. Clubes
recusando propostas de valores substanciais... As grandes operações
sempre vão acontecer, pois grandes clubes vivem de grandes craques, mas
as medianas, do dia a dia, se for pegar salários na Europa de um time
mediano e aqui no Brasil não devemos nada - contou Motta, que traduziu a
teoria para os números.
- Vamos supor que lá ele receba US$ 2 milhões por ano. Na divisão, dá
US$ 153 mil brutos, US$ 90 mil livres. Ou seja: R$ 216 mil. Se eu
colocar calção, chuteira e meião eu ganho isso em qualquer grande clube
daqui. Cruzeiro, Flamengo, Vasco, Corinthians, Atlético-MG,
Fluminense... São muitos os que pagam esses valores para jogadores
medianos.
Marcos Motta vê os salários como grande atração do futebol brasileiro (Foto: Divulgação)
'Chelsea ou Mirassol?'
Segundo o advogado, porém, o plano de uma carreira entre os melhores seguirá falando mais alto.
- Convencer alguém a sair do Brasil é muito mais por carreira do que
pelo lado financeiro. Ainda acho que para ser melhor do mundo tem que
sair daqui, no caso do Neymar. Só é eleito quem está jogando contra os
melhores. Lembro que estava numa reunião com um grande clube europeu e
um brasileiro. O europeu logo disse que não estava para competir
salário, pois podia oferecer no máximo 20% a mais. "Mas o que ofereço é
isso aqui", disse ele, abrindo um envelope e puxando as tabelas dos dois
clubes. Um enfrentava Bragantino, Mirassol, Oeste. O outro pegava o
Liverpool, Chelsea, Bayern de Munique e Milan pela Liga dos Campeões. O
que vale é o desafio profissional.
Ainda assim, Motta vê o Brasil no caminho certo para competir em não muito tempo com os grandes europeus.
- O Riquelme e Diego tiveram propostas de R$ 500 mil, Deco e Seedorf
ganham R$ 700 mil, Ronaldinho com R$ 1 milhão... Você pega os 20 maiores
salários da Europa e isso não deve em nada. A longo prazo só fortalece o
futebol brasileiro, dividido em três fases. A primeira era quando os
clubes vendiam os seus jogadores na primeira oportunidade, seja para
Rússia, Ucrânia, Japão ou qualquer canto. A segunda é a atual, da
manutenção de estrelas e contratações midiáticas. O próximo objetivo é
tentar trazer jogadores no ápice de sua forma física e técnica. Não falo
em Messi, é claro, mas jogadores para comporem elenco, que não são
grandes estrelas, mas têm muita lenha para queimar - encerrou.
Neymar segue no Santos, mas Marcos Motta só o vê como melhor do mundo na Europa (Foto: Marcos Ribolli)