Fúlvio Melo, Jornal do Brasil
RIO - Obras inacabadas, dois campos recheado de buracos e grama que não é aparada há muito tempo. Parece várzea, mas é onde jovens e crianças das categorias de base do Botafogo treinam em busca de um futuro melhor. Uma estrutura (ou falta dela) que ajuda a entender o porquê do pouco número de talentos revelados pelos alvinegros nas últimas décadas.
– Vou cuidar pessoalmente de Marechal Hermes – promete Maurício Assumpção, candidato único á presidência do clube. – Estamos fazendo um projeto para ser apresentado na quinta-feira, dia da eleição.
O futuro gestor terá muito trabalho para transformar promessa em realidade. Logo na entrada é possível ver os pais dos jogadores sentados em um duro banco de cimento, sob uma recém-construída cobertura já repleta de infiltrações. Além das acomodações inadequadas, incomoda também a falta de ajuda de custo.
– Estou trazendo o Uesley há duas semanas para fazer teste. Estou desempregada e meu marido arrumou emprego na semana passada, está começando a ficar salgado – afirmou Rosana, de 38 anos, moradora de Nova Iguaçu, que pega dois ônibus para levar o talentoso menino de 9 anos a Marechal Hermes. – Uesley parou uma festa de aniversário e me disseram para trazê-lo aqui. Faço esse esforço porque meu filho mais velho, de 18 anos, me culpa por não ter feito o mesmo por ele.
Rosana traz na bolsa um lanche, já que o dinheiro curto não banca as guloseimas desejadas por Uesley na cantina do clube. Mas a fome é um mero detalhe diante do tamanho dos obstáculos. Driblando os buracos do primeiro campo, onde mirim, pré-mirim, infantil e juvenil se revezam, chega-se ao local onde os juniores treinam. A reportagem do JB é recebida pelo treinador Luizinho Rangel, que ri para não chorar.
– Você está de bota? – brinca Luizinho. – Toma cuidado com os buracos. Olha a grama como está! Daqui a pouco não vamos conseguir mais ver os jogadores...
Ao lado do campo principal. a primeira obra inacabada: três pilhas de materiais entulhados, que deveriam servir para a preparação dos goleiros.
– Era para ser a caixa de areia, mas por enquanto é apenas uma caixa cheia de água – disse um irônico Luizinho, apontando para água acumulada da chuva.
Na sala de musculação são apenas três bicicletas e mais sete aparelhos para quase cem atletas, que se revezam com os apetrechos herdados do time profissional há dois anos.
– O trabalho de musculação começa mo último ano do infantil. Existem aparelhos melhores, mas esses conseguem nos atender – conta Luís Verdini, preparador físico.
A visita segue por uma sala desativada, que serve de abrigo para os funcionários cochilarem nas horas de menor trabalho. Ao lado, outra obra paralisada. Quem explica é Jorginho, que trabalha no local há 24 anos.
– Obra você sabe como é, vai empurrando de um para outro. Está há mais de dez nos assim – contou o apaixonado alvinegro, uma espécie de faz-tudo do local.
O departamento médico tem duas camas para atendimento e um modesto armário de medicamentos. O serviço é terceirizado, como conta o médico Alexandre Simões Lopes.
– Sou de uma clínica que presta serviços a clubes. Costumo trazer amostras grátis de remédios que recebo – explicou o médico que trabalha ao lado de dois enfermeiros e um fisiologista.
Bebeto explica abandono
No fim de 2006, o Botafogo venceu uma batalha jurídica que finalmente tornou o terreno propriedade do clube. Bebeto de Freitas culpa a briga de liminares com o clube União de Marechal e a crise financeira como principal fator pela decadência do centro de treinamento.
– Não podíamos investir em um local que não era nosso. Em 2006, quando o terreno passou de vez para o clube, não tínhamos recurso para investir. Sem dúvida é o local que mais precisa de investimento - reconheceu o presidente, que se despede do clube em dezembro, depois de seis anos de mandato.
Os jogadores revelados que ganharam projeção resumem a época de vacas magras.
– Que saíram daqui eu me lembro do Rafael Marques, do Almir e do Beto – citou Jorginho.
Dos que permeiam a memória do funcionário-padrão de Marechal, apenas Beto, campeão nacional pelo clube em 1995, teve destaque. Dos jogadores que estão ascendendo aos profissionais, Jougle e Wellington devem ter vaga no time em 2009.
– Vou procurar reforços nos juniores – afirmou Ney Franco.
Será que ele acha?