Por Marcelo Monteiro
Um dos personagens mais ricos da história do futebol brasileiro será eternizado no Maracanã, nesta segunda-feira. Treinador do Botafogo e da seleção brasileira, e um dos mais respeitados comentaristas esportivos do Brasil, João Saldanha terá uma estátua em sua homenagem inaugurada junto à Calçada da Fama do Maracanã, às 16h30.
A imagem em bronze foi produzida pelo escultor Ique (na foto), famoso pela sua atuação como cartunista na imprensa do Rio de Janeiro e que trabalhou com Saldanha no Jornal do Brasil na década de 90. A obra apresenta Saldanha com a mão esquerda perto do olho, fazendo sua saudação característica.
Conhecido como ”João sem medo” por sua forte personalidade, João Alves Jobim Saldanha nasceu na cidade gaúcha de Alegrete em 3 de julho de 1917. Ainda jovem, veio morar com a família no Rio e logo começou a jogar futebol nas areias de Copacabana. Na praia, chegou a atuar ao lado de Heleno de Freitas, ídolo maior nos anos 40 do seu amado Botafogo.
A ligação com o clube da Estrela Solitária era intensa e, após fazer parte da diretoria do clube, foi convidado para assumir o cargo de treinador da equipe em 1957. Sem qualquer experiência prévia na função, soube tornar vitorioso um time repleto de talento (Garrincha, Didi, Nilton Santos, Paulo Valentim, Quarentinha). Foi campeão carioca daquele ano, com a maior goleada registrada em uma decisão de Carioca: 6 a 2 sobre o Fluminense, com cinco gols do atacante Paulo Valentim. No Maracanã, onde será homenageado nesta segunda.
Após deixar o cargo, em 1959, se tornou comentarista de rádio e articulista de jornal, adotando uma linguagem muito próxima da usada pelos torcedores, que logo caiu no gosto do público. Começava suas análises com o bordão: ‘Meus amigos”.
Filiado ao Partido Comunista, Saldanha sempre manteve uma postura crítica ao regime militar. Mas isso não impediu o presidente da CBD, João Havelange, de fazer um convite surpreendente ao cronista esportivo: ser treinador da seleção brasileira em 1969, no auge do AI-5. Sem pestanejar, ‘João sem medo’ aceitou a proposta. E logo após ser anunciado como técnico da equipe, tirou do bolso a lista de convocados e divulgou para os repórteres. Eram “as Feras do Saldanha”.
Nas Eliminatórias para a Copa de 70, a equipe empolgou o país, vencendo seis jogos, marcando 23 gols e sofrendo apenas dois. Mas após a classificação para o Mundial do México, o clima ficou pesado.
Uma série de polêmicas – chegou a insinuar que Pelé estaria com problemas de visão e disse para o presidente Médici não se intrometer na escalação do time, porque ele não se metia na formação do Ministério -, e tropeços em campo (derrota para Argentina por 2 a 0 no Beira-Rio e empate em jogo-treino contra o Bangu) causaram a sua queda três meses antes do começo da Copa.
Ao tomar conhecimento que a direção da CBD havia anunciado que a comissão técnica da seleção estava “dissolvida”, respondeu:
- Eu não sou sorvete para ser dissolvido.
Fora da seleção, foi ao México como jornalista para assistir ao tricampeonato.
A saída da seleção foi um das muitas polêmicas de sua vida. Ainda como treinador da equipe, se envolveu em uma discussão pública com o treinador Yustrich. Saldanha chegou a tentar invadir a concentração do Flamengo atrás do desafeto, que comandava o Rubro-Negro carioca. Detalhe: armado.
Fato semelhante ocorreu em 1967. Durante a final do Carioca daquele ano, entre Botafogo e Bangu, Saldanha, em seus comentários pelo rádio, disse estranhar a atuação do goleiro alvinegro Manga. À noite, após a vitória do Botafogo por 2 a 1, na famosa “Resenha Facit”, o jornalista afirmou que o bicheiro Castor de Andrade, patrono do time de Moça Bonita, havia subornado o arqueiro. Castor ouviu e invadiu o estúdio da TV Rio, cercado de seguranças. A confusão foi tamanha que o programa saiu do ar.
Na quarta-feira seguinte, Saldanha foi armado à festa pelo título em General Severiano e ameaçou Manga, que fugiu em disparada da sede alvinegra.
Clique e ouça uma discussão entre Saldanha e Jorge Curi na Rádio Globo
Fora da seleção, Saldanha se manteve ligado ao futebol, trabalhando na Rádio Globo e no Jornal do Brasil. Em 1990, já com a saúde abalada por problemas respiratórios, faleceu em 12 de julho de 1990, em Roma, onde estava para acompanhar a 14ª Copa do Mundo. Apesar dos conselhos contrários de médicos e amigos, viajou para a Itália. E morreu aos 73 anos fazendo o que mais gostava: falar de futebol.