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Secretário da Fifa pede desculpas ao governo brasileiro

Antes, ministro Aldo Rebelo enviara ofício à entidade comunicando que país não aceitaria mais tratar com Jérôme Valcke sobre a Copa de 2014


Aldo Rebelo: indignação com declaração de secretário-geral da Fifa e pedido por outro interlocutor sobre Copa de 2014
Foto: Sérgio Marques/Agência O Globo
Aldo Rebelo: indignação com declaração de secretário-geral da Fifa e pedido por outro interlocutor sobre Copa de 2014 Sérgio Marques/Agência O Globo
BRASÍLIA e RIO - O secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, enviou, na tarde desta segunda-feira, uma carta com pedido de desculpas ao ministro do Esporte, Aldo Rebelo (foto), por sua declaração de sexta passada, de que o Brasil precisava de um "pontapé no traseiro" para para fazer andar os preparativos para o Mundial. Na carta, o dirigente alega erro de interpretação de sua frase, proferida em francês e divulgada por agências de notícias internacionais.

Na carta Valcke diz que a expressão em francês "se donner un coup de pied aux fesses" significa apenas "acelerar o ritmo" e que, segundo ele, “infelizmente, a frase foi traduzida para o português usando palavras muito mais fortes". O secretário-geral da Fifa se desculpa a qualquer pessoa que tenha se ofendido com "interpretações incorretas” das suas palavras. No mesmo documento, Valcke reafirma que “o Brasil é e sempre será a única opção para sediar a Copa do Mundo da Fifa 2014" (confira a íntegra da carta de Valcke).

O pedido de desculpas do dirigente chegou ao Ministério do Esporte depois de Aldo Rebelo ter oficializado à Fifa o pedido para que o interlocutor da entidade com o Brasil para a organização da Copa fosse trocado. No texto encaminhado pelo ministro, ele dizia que o governo brasileiro não aceitaria mais tratar do assunto com Valcke.

"Recebemos com espanto as inapropriadas declarações do senhor Jérôme Valcke nos últimos dias à imprensa internacional. A forma e o conteúdo das declarações escapam aos padrões aceitáveis de convivência harmônica entre um país soberano como o Brasil e uma organização internacional centenária como a Fifa", diz o documento assinado por Aldo Rebelo. "Diante desta realidade, o governo brasileiro não pode mais aceitar, nas suas tratativas com a Fifa, o senhor Jérôme Valcke como interlocutor durante a preparação desse Mundial", afirma ainda a nota. No texto, o ministro afirma também que, ao longo dos últimos anos, em especial com a aproximação da Copa, as relações entre o governo e a Fifa têm se pautado pelo mais "alto nível de respeito, cordialidade e reciprocidade".

A carta assinada por Aldo, por sinal, continha um erro. No texto, estava como destino da mensagem a cidade de Lausanne, na Suíça, sede, na realidade, do Comitê Olímpico Internacional (COI), que nada tem a ver com o assunto. A Fifa tem sede em outra cidade suíça, Zurique. A troca chegou a gerar desconfiança de que a entidade máxima do futebol sequer tivesse recebido o protesto oficial do ministro do Esporte. Mas a assessoria do ministério esclareceu que o documento foi enviado, sim, à Fifa por fax e por e-mail. “O erro inicial sobre a cidade foi da assessoria técnica do Ministério, que confundiu a sede da Fifa, Zurique, com a sede do COI, Lausanne. O equívoco já foi corrigido”, informou o Ministério do Esporte.

Toda a recente confusão envolvendo Valcke e o governo brasileiro começou quando o dirigente fez as mais duras críticas à organização da Copa de 2014 até então. A frase, cuja tradução literal pode ser feita de fato como “pontapé no traseiro”, gerou reação indignada no sábado, quando Aldo já afirmava que o governo brasileiro não mais aceitaria conversar com Valcke.

- O governo brasileiro não pode receber essas ofensas sem declarar inaceitáveis e não aceitará mais o secretário-geral como interlocutor da Fifa nesses assuntos - disse o ministro, na ocasião.

No dia seguinte o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, subiu ainda mais o tom e chamou o secretário-geral da Fifa de “vagabundo” e “boquirroto”.

Relação conflituosa de longa data

A dura crítica feita pelo secretário-geral da Fifa aos preparativos do Brasil para sediar a Copa das Confederações-2013 e a Copa do Mundo-2014 desnuda uma relação conflituosa entre a entidade e o governo brasileiro, que o Comitê Organizador Local (COL) insiste em tentar disfarçar. Os políticos brasileiros minimizam a atuação do francês de 50 anos, que é pago pela Fifa para que a entidade continue dando lucros astronômicos. Estão sob o guarda-chuva de Valcke as finanças e administração da Fifa. Portanto, a Copa do Mundo, é responsabilidade dele. Cabe a Valcke recomendar ou mesmo alertar o Comitê Executivo se algo vai muito bem ou muito mal.

Em outubro de 2011, a Fifa ameaçou tirar o Mundial do Brasil em uma carta enviada à presidente Dilma Rousseff, pelo presidente da entidade, o suíço Joseph Blatter. Foi depois que Valcke alertou sobre a demora na assinatura da Lei Geral da Copa. Dilma foi se reunir às pressas com ele em Bruxelas e o incêndio acabou debelado.

A ameaça de rompimento está amparada pela cláusula 7.7 do Host Agreement (Contrato para Sediar) da Copa-2014, assinado pelo governo brasileiro no último trimestre de 2007. A cláusula estabelece o dia 1 de junho de 2012 — exatamente 2 anos e 11 dias antes da partida de abertura do Mundial-2014 — como prazo final para a Fifa rescindir o contrato e tirar o megaevento do Brasil, sem pagamento de multa.

Diz o texto da 7.7 que "a rescisão será aplicada caso as leis e regulamentos necessários para a organização da Copa do Mundo-2014 não tenham sido aprovados, ou caso as autoridades competentes não estejam cumprindo as garantias governamentais exigidas".

As garantias e responsabilidades exigidas pela Fifa também fazem parte do Acordo de Candidatura, entregues e assinados em 31 de julho de 2007, pelo presidente Lula, três meses antes de o país ter sido confirmado como sede do Mundial.

A Lei Geral da Copa, enviada ao Congresso no último dia 19 de setembro pela presidente Dilma, é o ponto de discórdia, por até hoje não ter sido aprovada e sancionada. O texto-base chegou a ser aprovado na comissão especial criada na Câmara para tratar do assuto. Mas, por uma questão regimental da Casa, a votação acabou anulada e terá que acontecer novamente. Depois de passar pela comissão, ela ainda será submetida ao plenário da Câmara e só depois encaminhada ao Senado.

Como o GLOBO publicou ano passado, itens como ingressos, credenciamento, proteção ao marketing de emboscada, gratuidades e até transmissão de TV foram alterados em setembro, em desacordo com o que foi discutido e acertado em fevereiro de 2011, em Brasília, durante reunião de Valcke, com o então ministro do Esporte, Orlando Silva, e técnicos do governo. Além disso, a infraestrutura dos aeroportos e os projetos de mobilidade urbana são considerados incipientes, assim como o número de hotéis de 1 a 5 estrelas em dez das 12 sedes (exceto Rio e São Paulo).

A Fifa argumenta não ter como garantir aos patrocinadores a proteção às suas marcas. E a entidade teme inviabilizar o modelo da Copa do Mundo, que responde por 89% de sua arrecadação de quatro anos, se a Lei Geral da Copa-2014 não for sancionada.

Valcke e o COL-2014 perderam a confiança em Orlando Silva e não quiseram mais negociar com o então ministro, que foi substituído por Aldo Rebelo. Nessa última crise, o novo ministro exigiu a substituição de Valcke como interlocutor da Fifa. Enquanto isso, uma nação plano B já estaria sendo pensada, para o caso de a Lei Geral da Copa não ser sancionada até maio deste ano.