Oscar Niemeyer exibe a camisa com o número 100, que ganhou do Extra. Ao lado, o bisneto flamenguista Paulo Sérgio Foto: Caio Marcelo / Arquivo pessoal
A história do Fla-Flu, que neste domingo, às 18h30m, no Engenhão, terá sua primeira edição no ano do centenário, é feita de tradição, cores e, sobretudo, personagens de Flamengo e Fluminense. Eles vão dos mais badalados na memória do clássico, como Zico, Assis e Renato Gaúcho; aos mais improváveis, como Oscar Niemeyer, hoje com 104 anos. Antes de se tornar o consagrado arquiteto responsável por obras como o Sambódromo do Rio e o Congresso Nacional, ele se arriscou em peladas e até em jogos oficiais, onde, poucos sabem, vestiu a camisa do Tricolor.
— Foram duas ou três partidas. Era juvenil. Fui com o Fluminense jogar no (campo do) Botafogo. Meu tio me levou — contou o arquiteto, em conversa gravada com o bisneto Paulo Sérgio Niemeyer à qual o Jogo Extra teve acesso. — O campo era enorme. Mas não me lembro dos gols. Só lembro da história.
A súmula da partida foi conservada pelo "Flu Memória" e está registrada nos acervos das Laranjeiras. Foi em 14 de julho de 1918, às 8h, pela categoria infantil. Niemeyer tinha 11 anos e jogou no meio de campo. O adversário foi o São Cristóvão, que impôs uma goleada de 4 a 0.
O tio a que ele se referiu era o "tio Nhonhô", que, segundo o arquiteto, foi diretor de futebol infantil nas Laranjeiras. Não constam nos acervos do Fluminense registro das outras partidas do futuro arquiteto. Mas estão vivas em suas lembranças.
Niemeyer já vivia na Rua Passos Manoel, nas Laranjeiras, na época da criação do Flamengo e, consequentemente, do Fla-Flu. Tricolor, quase também fez parte da história do Rubro-negro.
— No colégio eu era bom. O goalkeeper (goleiro) do Flamengo jogava comigo. Amado Benigno. Ele era enorme. E uma vez me chamou para jogar no Flamengo — contou o arquiteto, que não aceitou o convite.
No colégio eu era bom. O goalkeeper (goleiro) do Flamengo jogava comigoOscar Niemeyer
Enquanto o Flamengo engatinhava e ganhava seus primeiros tÃtulos, o jovem Oscar Niemeyer passava as tardes jogando bola com os amigos nas ruas das Laranjeiras. Os dribles e os gols com a pequena bola de tênis alimentavam sua imaginação, que antes de vislumbrar obras como o Parque do Ibirapuera-SP, projetavam um futuro de jogador. Mas era só sonho.
— A gente tirava a capa da bola de tênis para ela ficar menor. Uma vez eu fui tentar driblar, me enrolei com a bola e caà com a boca no meio fio. Voltei pra casa com a boca sangrando. Quando me viu, minha mãe disse: "Quebrou o dente, né?". "É, mãe. Quebrei o dente..." — disse, achando graça, na conversa gravada pelo bisneto.
Embora nunca tenha escondido o carinho pelo Fluminense, Niemeyer perdeu ainda cedo a paixão pelo clube onde cresceu. Segundo Paulo Sérgio, a mancha de preconceito no passado tricolor tirou o brilho dos olhos do arquiteto:
— Ele ficou chateado porque viu que os negros tinham que entrar pela porta dos fundos. Até hoje isso o deixa decepcionado — contou o bisneto.
Atualmente, seus interesses futebolÃsticos estão concentrados na seleção. Sempre procura saber quem são os jogadores de cada posição e, embora não consiga ver com clareza as imagens da TV, ouve a narração dos jogos. Mantendo o palavreado à moda inglesa dos primeiros anos do esporte bretão, refere-se aos zagueiros como "backs", aos goleiros como "goalkeepers" e assim por diante.
— Ele está sempre perguntando os placares e acha ruim quando a seleção perde — disse Paulo Sérgio.
Não sou doente por futebol. O mais importante é a vidaOscar Niemeyer
Se com a bola nos pés não emplacou, fora dos gramados é referência. Niemeyer se destacou não só pelo seu talento como arquiteto, mas pela defesa constante de ideais em torno de um mundo mais solidário.
— Não sou doente por futebol. O mais importante é a vida — concluiu.