Nos últimos oito meses, ao menos dois cartolas de cada grande desertou
André Casado
RIO DE JANEIRO
O número é mesmo de assustar. Nada menos do que 17 dirigentes ou chefes de departamento foram oficialmente demitidos ou entregaram seus cargos entre os quatro grandes clubes do Rio nos últimos meses. Bem mais do que em relação a tradicional dança dos treinadores. A soma anormal, em tese, deflagra a crise política que vive o futebol carioca, muito por conta - ou até em ordem inversa - da qualidade técnica cada vez mais precária. Entretanto, em entrevista ao LANCENET!, os dirigentes mostraram que nem sempre pensam desta forma.EM GENERAL SEVERIANO...
No caso do Botafogo, a estrutura teve de ser montada de modo apressado antes da eleição de novembro de 2008. Em princípio, tudo correu bem, o clube saiu, em parte, do buraco financeiro-administrativo em que foi deixado pela gestão anterior e atingiu a final do Carioca, como surpresa. Mas a falta de projetos eficazes e concretos para o Engenhão e para os planos de sócio-torcedor deram início à derrocada do marketing.
Além disso, houve pressão para que Ney Franco fosse demitido. Com braço firme, o presidente Maurício Assumpção e o vice de futebol, André Silva, exemplo raro de união indestrutível, mantiveram o técnico por alguns meses a mais. De tão insustentável que ficou o clima, quatro vices renunciaram em uma tacada só (confira na lista abaixo), em agosto.
Na visão do mandatário alvinegro, porém, o Rio não é o único a sofrer com tais problemas.
- Qual o clube brasileiro, hoje, que não atravessa um problema político? Em São Paulo, para onde raramente se olha nesse aspecto, está sempre havendo um racha perto de eleição e disputas constantes. As críticas do torcedor, às vezes, refletem em alguns dirigentes. Vi o Muricy ser insistentemente ofendido pela torcida do Palmeiras que fica na social. Ninguém trabalha tranquilo. Só é preciso ter pulso para tomar as decisões corretas, acertar os ponteiros e seguir com o rumo do navio - observou Assumpção, que credita ao acaso tantas deserções:
- Calhou de Vasco e Botafogo estarem no primeiro ano de suas administrações, depois de enfrentarem períodos muito ruins. No Flamengo, é ano de eleição, o que normalmente já cria incertezas. As mudanças me parecem que tiveram algo a ver com isso. Já o Fluminense tem clara dificuldade de relacionamento com seu patrocinador.
NA GÁVEA, 'TUDO NORMAL'
Para Delair Dumbrosck, presidente em exercício do Flamengo, a saída de sua cúpula do futebol se deveu somente a questões éticas, uma vez que serão adversários nas urnas, em dezembro.
- Achei até correto o que o Kléber (Leite) e o Plínio (Serpa Pinto) fizeram. Não vi grandes problemas. E quanto aos outros, não posso me intrometer, só sei do Flamengo. Logo repusemos o cargo com alguém igualmente capacitado (Marcos Braz). Não sei se há relação entre os problemas políticos no Rio. Até no Congresso se vê situações assim. Acaba sendo natural - minimizou.
Além dos dois dirigentes citados, afastou-se também o correligionário diretor jurídico Michel Asseff Filho, que, no entanto, segue auxiliando o clube da Gávea com processos e casos por ele iniciados. Antes, o vice de finanças, José Carlos Dias, também deixara o Rubro-Negro.
CAOS NO TRICOLOR
Nas Laranjeiras, a situação beira a calamidade. Se demorou mais que os rivais, o turbilhão político veio com força total. Da recente demissão de Tote Menezes, vice de futebol, que entrou em rota de colisão com meio Fluminense, até a possibilidade de impeachment de Roberto Horcades, o Tricolor vive momentos incertos, principalmente depois de ter trocado de técnico quatro vezes no ano e estar às vias de ser rebaixado.
Talvez em virtude do caos, o LANCENET! não conseguiu contatar nenhum membro da diretoria com voz ativa atualmente, nesta sexta-feira. A desconfiança chegou ao ponto de se mandar embora o chefe do departamento médico, Michael Simoni, que deve retornar. Em coletiva dada na sede, o novo vice de futebol tricolor, Ricardo Tenório, pediu paz.
- É um momento de trégua. Todos são tricolores, oposição e situação. Ninguém quer o pior para o Fluminense. As pessoas têm o direito de ter opiniões, mas trata-se de um momento emergencial. O bem do clube está em jogo. As convicções e os ideais têm de estar juntos por um ambiente de trabalho tranquilo - disse o cartola, que ignora até os rótulos.
- Sou tricolor, não partidário de qualquer grupo político. Isso não funciona.
VASCO: DO INFERNO AO CÉU
Em escala reduzida, a Colina também sofreu com suas críticas públicas e certa desorganização. Primeiro, Manoel Fontes, o Neca, saiu, sob alegação de problemas médicos, mas até então fora desmentido por colegas diversas vezes. Em fevereiro, em escândalo que chamou a atenção da mídia, o vice de marketing José Henrique Coelho fez denúncias a respeito de supostos esquemas de caixas-dois.
Pouco a pouco, porém, a vida política da administração de Roberto Dinamite se ajustou e hoje vive algo próximo do profissionalismo, sobretudo com a entrada de Rodrigo Caetano, elogiado por todos em São Januário. O que gera a vibração do presidente e ídolo da torcida.
- Implantamos uma nova forma de gerir. E já estamos colhendo alguns frutos. Acho que apesar das dificuldades em cada clube, não é difícil se organizar e sair das dificuldades. Basta ter convicção e não pôr nenhum interesse na frente da instituição - ensina Dinamite, que vê reestruturação da base a saída para tudo.
OPINIÃO EXTERNA
Isento na história, o colunista do LANCE! Roberto Assaf indica um caminho que há muito já poderia estar sendo trilhado no futebol brasileiro: a profissionalização, que posteriormente geraria a prestação de contas dos cartolas. Algo que reduziria o entra-e-sai e até a corrupção.
- O modelo atual está ultrapassado há uns 30 anos. Do jeito que está, dá nisso. É preciso criar responsabilidade. Pisou na bola, é tribunal. Não simplesmente sair pela porta dos fundos. Assim todo mundo enriquece e os clubes ficam pobres. No Rio, sobretudo, há muita vaidade e interesses políticos. Mas o Sport também sofreu com isso semana passada - lembra.
CONFIRA A LISTA DOS 'DEMITIDOS' NO RIO
BOTAFOGO: Marcelo Guimarães, diretor de marketing, Josué Tissot, diretor de marketing, Beto Macedo, vice-presidente de comunicação, Anderson Simões, vice administrativo, Gustavo Noronha, vice jurídico, e Alexandre Brito, vice de esportes olímpicos.
FLAMENGO: José Carlos Dias, vice-presidente de finanças, Kléber Leite, vice de futebol, Plínio Serpa Pinto, diretor de futebol, e Michel Asseff Filho, diretor jurídico (ainda atua em processos).
FLUMINENSE: Tote Menezes, vice-presidente de futebol, Michael Simoni, coordenador médico, Alexandre Faria, coordenador de futebol, e Felipe Ximenes, gerente de futebol.
VASCO: Manoel Fontes (Neca), vice-presidente de futebol, José Henrique Coelho, vice-presidente de marketing, Luís Fernando Júlio, vice financeiro.