'Gigantismo' ameaça o sucesso dos Jogos do Rio 2016 e futuras edições
Evento cresce demais, e consultor do COI sugere a exclusão e inclusão de modalidades, maior duração ou até a criação de Jogos da Primavera
Cerimônia de Abertura das Olimpíadas de Londres,
em 2012, na Inglaterra (Foto: Agência Reuters)
em 2012, na Inglaterra (Foto: Agência Reuters)
O crescimento desenfreado dos Jogos Olímpicos fez surgir um fenômeno
quase indomável: o gigantismo. O aumento do número de participantes,
modalidades, espectadores, mídias e tecnologia tornou-se uma ameaça ao
sucesso das futuras edições. Atualmente, a organização do evento luta
para controlar o próprio êxito e, ao mesmo tempo, realizar um espetáculo
que atenda às demandas dos tempos modernos. No Fórum Internacional de
Economia do Esporte, realizado nesta semana na Fundação Getúlio Vargas
(FGV), no Rio de Janeiro, o consultor do Comitê Olímpico Internacional
(COI) Jean-Loup Chapellet fez algumas sugestões para a adequação a essas
novas necessidades: buscar novos rumos, incluir e excluir esportes,
aumentar a duração do evento e até a criação de Jogos da Primavera são
apontados como possíveis soluções.
- É cada vez mais difícil organizar as Olimpíadas. Os Jogos de Munique,
em 1972, foram os primeiros que tentaram combater o gigantismo.
Montreal 1976 enfrentou um déficit econômico, Barcelona 1992 foi o
primeiro evento universal após o boicote, a edição de Atlanta 1996 foi
quase um fracasso, e em Atenas 2004 houve muitos atrasos. Em Londres
2012 houve alguns problemas, e o Rio também vai enfrentar dificuldades. O
Comitê Olímpico Internacional tem plena consciência disso, por isso tem
preparado um plano estratégico. A dúvida é: será que os Jogos ainda são
administráveis? - analisa Jean-Loup Chapellet, diretor geral do IDHEAP
(Instituto de Estudos Avançados de Administração Pública, na sigla em
inglês) e consultor internacional para a organização das Olimpíadas.
De acordo com o dirigente, existem duas formas de mensurar o tamanho
dos Jogos: a tradicional e a de vanguarda, com ideias a serem
implantadas a partir de 2016. A primeira visa a manter uma unidade de
tempo (17 dias) e espaço (uma cidade), o modelo de Sydney (28
modalidades, 300 eventos e 10.500 atletas) e reduzir problemas de
logística. A segunda opção é mais inovadora. Além de focar nas
disciplinas e eventos em vez dos esportes em si, outras propostas são
usar mais cidades nas disputas classificatórias por equipes, estender a
duração da competição de duas para três semanas (quatro com as
Paralimpíadas) ou até criar uma nova, os Jogos da Primavera, já que
existem as Olimpíadas de Verão e de Inverno.
- A abordagem tradicional é falha. Os dados mostram um crescimento em
todas as dimensões dos Jogos: mídia, voluntários, segurança,
patrocinadores, colaboradores... Apesar de fixar o número de modalidades
em 28, há outras disciplinas surgindo, como é o caso do BMX e da
maratona aquática, exigindo mais dois locais de competição. Em Londres, o
número de competidores foi quase igual, mesmo com a saída do beisebol e
do softbol. E muitos esportes ainda querem ser incluídos no programa
olímpico: squash, wakeboard, wrestling, escalada, caratê, basquete 3x3 e
atletismo cross country. Os Jogos da Primavera seriam uma oportunidade
de trazer novos esportes associados aos jovens - acrescentou.
Jean-Loup Chapellet no Fórum Internacional de
Economia do Esporte (Foto: Andre Telles/FGV)
Economia do Esporte (Foto: Andre Telles/FGV)
Como minimizar os efeitos do gigantismo?
A estratégia de usar outras cidades no torneio já acontece no futebol, com disputas em quatro ou cinco lugares, sendo as semifinais e as finais realizadas na cidade-sede. O COI estuda a possibilidade de seguir esse modelo em outros esportes coletivos, como basquete, handebol, hóquei, rúgbi de 7, vôlei e pólo aquático. Reduzir o tamanho da Vila Olímpica e usar as instalações existentes também estão em pauta.
A estratégia de usar outras cidades no torneio já acontece no futebol, com disputas em quatro ou cinco lugares, sendo as semifinais e as finais realizadas na cidade-sede. O COI estuda a possibilidade de seguir esse modelo em outros esportes coletivos, como basquete, handebol, hóquei, rúgbi de 7, vôlei e pólo aquático. Reduzir o tamanho da Vila Olímpica e usar as instalações existentes também estão em pauta.
Para Jean-Loup Chapellet, os Jogos Olímpicos têm a capacidade de
transformar centros urbanos em cidades globais, como são os casos de
Tóquio, Nova York e Londres. A expressão "cidade global", em oposição à
megacidade, foi introduzida por Saskia Sassen em 1991. O termo "cidade
mundial" já havia sido usado por Patrick Geddes, em 1915, para descrever
as metrópoles que controlam uma quantidade desproporcional de negócios
pelo mundo.
- As Olimpíadas provocam mudanças na infra-estrutura, nos transportes e
na rotina das cidades-sedes, que precisam realizar diversas reformas,
construir um grande aeroporto e outras ações para receber a competição.
Pequim é um bom exemplo disso. E o Rio de Janeiro vive agora um momento
de intensa transformação. Estima-se que os gastos provisórios sejam de
US$ 15 bilhões (quase R$ 30 milhões); em Londres, o custo foi de US$ 17
milhões (cerca de R$ 33,5 milhões). Será que só as cidades globais têm a
capacidade de tornarem-se olímpicas? É o que veremos nos Jogos 2020,
que tem como candidata Tóquio.
Além da capital nipônica, outras concorrentes a sediar o maior evento
esportivo do mundo daqui a sete anos são Istambul, na Turquia, e Madri,
na Espanha.
Projeto do Parque Olímpico para o Rio 2016 mostra a grandiosidade das instalações (Foto: Divulgação)
Jogos de Munique: início dos problemas do gigantismo
As Olimpíadas de Munique, na época Alemanha Ocidental, tinham tudo para
ser as mais pacíficas e tecnicamente perfeitas de todos os tempos, mas
acabaram transformando-se no maior pesadelo na história das Olimpíadas.
Com a participação recorde de 121 nações e 7.134 atletas, os Jogos foram
organizados pelos alemães para celebrar a paz. Os primeiros dez dias do
torneio encantaram o mundo. No entanto, na madrugada de 5 de setembro,
cinco árabes do grupo terrorista Setembro Negro invadiram a Vila
Olímpica e mataram 11 membros da equipe israelense. O que se seguiu, com
a paralisação temporária da competição (por 34 horas) e a morte de
todos os reféns israelitas, ficou conhecido como o Massacre de Munique.
Com as bandeiras dos países participantes a meio mastro e uma missa no
Estádio Olímpico em homenagem às vítimas, os Jogos voltaram a acontecer,
após a insistência e a célebre frase do presidente do COI Avery
Brundage: “Os Jogos devem continuar!”.
Fim da União Soviética e mudanças territoriais marcam Barcelona
Depois de Munique 1972, a disputa na Catalunha reuniu todos os Comitês
Olímpicos Nacionais, atraindo 9.356 atletas de 169 países. Barcelona,
que ainda aproveita o legado dos Jogos até os dias de hoje, esperou 70
anos para para realizar o sonho de receber a competição. Em 1924, as
Olimpíadas tinham sido prometidas à cidade catalã, contudo, o Barão de
Coubertin optou por Paris. Três anos após a tomada de poder pelo nazismo
na Alemanha, o torneio seria realizado em Barcelona, mas a Guerra Civil
Espanhola adiou mais uma vez o evento.
Os Jogos de Seul, em 1988, foram um divisor de águas. O mundo passou
por grandes transformações geopoliticas. A Alemanha se reunificou após a
queda do Muro de Berlim, em 1989, a União Soviética se fragmentou em 15
novas repúblicas um ano antes da disputa na Espanha, e o Apartheid foi
banido da África do Sul, o que possibilitou o retorno do país às
Olimpíadas. Com o fim da ditadura, a Albânia voltou a participar depois
de 30 anos, e Cuba, Coreia do Norte e Etiópia estavam livres do boicote.
Países como Estônia, Letônia e Lituânia, ausentes há mais de meio
século por conta da ocupação soviética, voltaram a marcar presença no
evento.
Como consequência da mudança nos territórios, as repúblicas da URSS
competiram com o nome de Comunidade dos Estados Independentes (CEI) - na
hora do pódio, no entanto, eram erguidas as bandeiras de seus países. O
desmembramento da Iugoslávia levou Croácia, Bósnia-Herzegovina e
Eslovênia a participarem com as suas próprias equipes nacionais. Para
que não fossem punidos, os iugoslavos competiram como "participantes
olímpicos independentes", o que fez o país perder as vagas nos esportes
coletivos.
Durante a preparação dos Jogos, Barcelona experimentou grandes mudanças
na infra-estrutura, viu a construção de estradas e alterações em todas
as partes da cidade.
O quase fracasso de Atlanta 1996
A edição de Atlanta, nos Estados Unidos, marcou o centenário dos Jogos
Olímpicos da Era Moderna, sendo aberta pelo ex-presidente americano Bill
Clinton. Os então 197 Comitês Olímpicos Nacionais, filiados ao COI,
enviaram suas delegações, num total de 10.318 atletas, sendo 3.512
mulheres, distribuídos em 26 esportes. A comunidade olímpica
internacional acreditava que Atenas, uma das candidatas e berço tanto
dos Jogos da Antiguidade quanto da Era Moderna, tinha o direito de
sediar a competição.
A escolha provocou protestos e acusações de suborno aos membros do COI,
sem provas. Esperava-se que os Jogos de Atlanta seriam perfeitos por
conta dos altos investimentos, mas percalços como os inesperados
problemas nos transportes, gerando grandes engarrafamentos no período de
disputas, acabaram dificultando a locomoção dos envolvidos. O calor
intenso e um atentado com uma bomba no Centennial Olympic Park, que
resultou na morte de duas pessoas e ferimentos em outras 111,
contribuíram para o quase colapso.
Em seu discurso de encerramento, o então presidente do COI, Juan
Antonio Samaranch, referiu-se aos Jogos recém-terminados com um "Bom
trabalho, Atlanta" em vez do habitual "Estes foram os melhores Jogos da
história".