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Fim de gestão no Botafogo tem empréstimo com comissão misteriosa

Clube pega R$ 3 milhões e paga R$ 300 mil. Contrato assinado por Assumpção indica advogado de Sidnei Loureiro, que clube diz desconhecer, para receber valor

Por São Paulo e Rio de Janeiro
Um dos últimos atos do presidente Maurício Assumpção no Botafogo pode deixar a nova gestão, que assume o clube nesta quarta-feira, de cabelos em pé. Entre setembro e outubro, o clube buscou um empréstimo de R$ 3 milhões junto a um grupo de empresários de São Paulo. E pagou 10% de comissão pela transação. Quem recebeu essa comissão é o mistério que a nova diretoria terá de solucionar. Na última segunda-feira, dia 24, o contrato foi objeto de discussão no Conselho Fiscal do clube, que enviará questionamentos ao Conselho Diretor pedindo todas as comprovações legais da transação.

O GloboEsporte.com teve acesso a um contrato, com data de 1º de setembro, assinado e rubricado pelo então presidente do clube e pelo vice-presidente de Finanças, Chico Fonseca. Segundo o documento, o Botafogo contrairia um empréstimo de R$ 3 milhões de Marcus Vinicius Sanchez Secundino, pessoa física, que trabalha em conjunto com dois ex-membros do Grupo Sonda – Thiago Ferro e Fernando Garcia. O contrato previa que o clube receberia R$ 2,7 milhões na conta do HSBC que pertence à Companhia Botafogo no dia 17 de outubro. O restante, ou seja, 10% do valor do contrato, deveria ser depositado na conta de um intermediário indicado pelo clube. A cláusula 1.2.1 é clara: "por conta e ordem do BFR, o valor do empréstimo será creditado conforme segue". Esse intermediário seria o advogado carioca César Reis,  proprietário da conta-poupança na Caixa Econômica Federal indicada no documento.

Documentos_CONTRATOS-BOTAFOGO_01 (Foto: Infoesporte)

Contrato aponta pagamento de comissão para advogado de ex-gerente de futebol do Botafogo (Foto: Infoesporte)

No dia 17 de outubro, o Botafogo recebeu R$ 2,7 milhões na conta indicada. Foi o segundo empréstimo feito pelo trio de empresários ao Botafogo. No primeiro, feito em 2013, não houve intermediário nem comissão, e o valor foi o mesmo: R$ 3 milhões. Só que, no primeiro mútuo, Ferro (através da GT Sports) e Garcia (através da LF Assesoria Esportiva) também emprestaram dinheiro ao clube. No segundo, apenas Marcus Sanchez emprestou.

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O GloboEsporte.com teve acesso a esse contrato no dia 12 de novembro e, na mesma data, procurou o advogado César Reis no Rio de Janeiro. Reis informou o seguinte em entrevista gravada:

– Quem fez essa transação foi o meu filho. Eu sou advogado, ele é advogado... Foi na minha conta, mas não fiquei com o dinheiro. Peguei o dinheiro e transferi para três empresas que participaram dessa transação.

– Do empréstimo?

– Não. Das empresas que ganharam comissão para isso, através do... Acho que foi do Sidnei, se não me engano. As empresas são legais, têm CNPJ, tudo direitinho. Não sei se ele participa. Não sei se ele tem vinculação, aí eu não sei. Mas vou falar com meu filho para falar com o Sidnei. Eu nem conheço o Sidnei.


Minutos depois, quando o advogado foi novamente indagado sobre o destino da comissão, seguiu o diálogo:

– Mas quem arranjou isso tudo foi o Sidnei?

– Foi, foi o Sidnei. Não tem nada a ver. A gente apenas foi verificar se era legal. Ele que arrumou.

– E a comissão foi para ele?

– Não, não foi para ele, (foi) para as empresas que ele trabalha com isso, acho que são três empresas, se não me engano. O dinheiro bateu na conta, peguei, transferi, tudo direitinho, tirei o meu percentual de honorários, que a gente tinha combinado. Ganhou a comissão dele, a gente teve até um valor de imposto. Um cara você vai pegar um dinheiro e não vai pagar o imposto? Tem de ter um valor retido para imposto, tranquilo. 

Sidnei, no caso, é Sidnei Loureiro, funcionário do Botafogo de janeiro de 2009 até abril de 2014, quando deixou o clube. Na segunda-feira, dia 18 de novembro, o GloboEsporte.com entrou em contato com Guilherme Reis, filho de César.

– O Sidnei é cliente do escritório, mas não temos nenhum contrato que o Botafogo seja parte – disse, informando que o escritório representa funcionários do clube.


Renan conversa com o fisioterapeuta Flavio Meirelles e o supervisor Sidnei Loureiro (Foto: Thales Soares / Globoesporte.com)

Sidnei Loureiro foi gerente de futebol do Botafogo (Foto: Thales Soares / Globoesporte.com)

Guilherme Reis é casado com Júlia, filha de Eduardo Húngaro. Húngaro é ligado a Sidnei Loureiro, que por sua vez sempre foi próximo do presidente Maurício Assumpção. Na mesma sexta-feira, a reportagem falou também com a assessoria do empresário Fernando Garcia, que confirmou o empréstimo mas disse não ter indicado intermediário.
– Foi pago o que o Botafogo pediu. De nossa parte não houve indicação de nenhum intermediário – disse a assessoria.

No contrato assinado por Assumpção e Fonseca constava a informação de que o depósito de Marcus Sanchez na conta de César Reis aconteceria "a pedido do Botafogo de Futebol e Regatas" (veja documento em anexo). No item g das considerações iniciais, o contrato informa:

“CÉSAR foi o responsável por intermediar em benefício do BFR o novo empréstimo a ser contratado entre o BFR e MARCUS, razão pela qual o BFR se comprometeu a lhe pagar a remuneração de R$ 300 mil reais”.


A cláusula 1.2.2  é ainda mais explícita:

“A indicação das contas bancárias e determinação de crédito na conta de terceiro é de responsabilidade do BFR, tendo sido uma determinação expressa do BFR, sem qualquer interferência de MARCUS, que apenas efetuará os créditos nas contas indicadas”.
Documentos_CONTRATOS-BOTAFOGO_02 (Foto: Infoesporte)Contrato foi assinado pelo presidente Maurício Assumpção e por seu vice de finanças (Foto: Infoesporte)
Na sexta-feira, dia 21 de novembro, a reportagem procurou Sidnei Loureiro. O ex-gerente do Botafogo disse que César Reis se confundiu:

– A situação que o César passou para você é de outra coisa, que não tem nada a ver com essa situação de empréstimo de dinheiro para o Botafogo. E mesmo que fosse, eu não estava no Botafogo. Quem conseguiu esse dinheiro tem mais é de ser comissionado. Imagina colocar R$ 3 milhões no Botafogo há dois, três meses. Ninguém é maluco. Mas, enfim, não vem ao caso. Esse contrato não foi assinado, o erro já foi corrigido.

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No mesmo dia 21 de novembro, a reportagem procurou o clube. O Botafogo, em resposta por e-mail,  disse desconhecer César Reis:


"O Botafogo F.R. tem dois contratos distintos de empréstimo com a participação do Sr. Marcus Sanchez Secundino, um de 2013 e outro de 2014. O contato para a realização dos empréstimos foi o Sr. Thiago Ferro. O Botafogo desconhece o Sr. César Reis, cujo nome não consta na versão final do contrato, assinada pelo clube e por todos os envolvidos".

Segundo o clube, quem pediu a inclusão de um intermediário na transação foi o empresário Thiago Ferro:

"No segundo contrato de empréstimo, há outros envolvidos em relação ao primeiro. O Sr. Thiago Ferro informou haver a necessidade de intermediação para este empréstimo, visto que o Botafogo estava mais uma vez pedindo esforços nesse sentido e que havia outros envolvidos."
O GloboEsporte.com procurou diversas vezes o empresário Thiago Ferro, que não respondeu às ligações e mensagens. Na segunda-feira, dia 24, o Conselho Fiscal alvinegro pediu ao Departamento Financeiro o contrato de empréstimo. O diretor Marcelo Murad confirmou que o clube recebeu os recursos no dia 17 de outubro e mostrou o contrato em que César Reis consta como intermediário. Murad disse também que foi informado pelo advogado do futebol, André Alves, que um novo contrato teria sido pedido pelos empresários paulistas na quarta-feira, dia 21 de novembro – mais de um mês depois da transferência de recursos para o clube – e nove dias depois que o GloboEsporte.com entrevistou César Reis.

Nesse novo contrato, o nome do intermediário seria outro.  uma advogada chamada Michelle. Questionado sobre o paradeiro deste contrato no CF, Murad disse não ter a informação:

– O único contrato que chegou ao Financeiro é esse que vocês estão vendo.

Mauricio Assumpção, Botafogo (Foto: Raphael Zarko)

Adeus melancólico: Na manhã desta quarta-feira, Mauricio Assumpção esteve no Engenhão para se despedir do elenco. Cabisbaixo na saída, o agora ex-presidente saiu em silêncio: "Não falo mais nada" (Foto: Raphael Zarko)

O Conselho Fiscal estranhou que o clube tenha recebido recursos sem que o departamento financeiro tenha recebido o contrato definitivo. Segundo um dos membros do conselho, Murad se disse envergonhado com a transação. O CF vai pedir ao Conselho Diretor do clube – e aos empresários envolvidos – todos os contratos e comprovantes envolvidos na transação:

– Temos dúvidas com relação a quem são os credores, quais são os valores que efetivamente foram pagos, cópias de comprovantes de depósito. Vamos pedir as comprovações legais e quem são os beneficiários dessas operações – disse Adriane Rego, secretária do Conselho Fiscal.