Assumpção e os efeitos colaterais da crise: choro, insônia e desespero
Presidente
expõe complicada situação do clube, não se esquiva das críticas e se
emociona em entrevista exclusiva ao Esporte Espetacular
Na
zona de rebaixamento do Brasileirão e no meio de uma crise financeira
sem precedentes o Botafogo vive dias de desânimo nas arquibancadas e no
vestiário. Sentado na cadeira de presidente, Mauricio Assumpção se vê
obrigado a arcar com as responsabilidades de suas decisões em um dos
momentos mais delicados da história alvinegra. O Esporte Espetacular ouviu o dirigente com exclusividade e exibiu uma matéria no último domingo. Nesta segunda, confira a íntegra da análise do dirigente sobre a crise alvinegra. (clique no vídeo e veja a primeira parte da entrevista com o presidente).
Como explicar essa atual fase do Botafogo?
Uma
história que esta diretoria pode contribuir de alguma forma. Mas,
obviamente, o que aconteceu no último ano do mandato meio que mascara um
pouco o que aconteceu nos últimos cinco anos..
Por que o Botafogo não tem dinheiro para pagar seus jogadores?
Porque
atualmente 100% das nossas receitas estão penhoradas. Ninguém trabalha
com 100% de penhora, ninguém consegue sobreviver. O Botafogo não deixou
de pagar tributo acreditando que a lei de responsabilidade fiscal ia
sair, deixou de pagar porque não tinha dinheiro. Não tinha dinheiro para
pagar seus compromissos porque estava com penhora de 100%. Nos últimos
dois meses, o que mais se tem ouvido em toda a imprensa são clubes com
dificuldade de pagamento. Clubes grandes do Rio e São Paulo. Eu estou
dizendo o seguinte: o futebol brasileiro como um todo está doente. Eu
espero que essa nova câmara dos deputados possa, em regime de urgência
absoluta, entender que o futebol brasileiro está asfixiado com esses
passivos que todos os grandes clubes do Brasil têm, a grande maioria
deles.
Mauricio Assumpção concedeu entrevista na sala de troféus do Botafogo (Foto: Reprodução TV Globo)
Por que a situação do Botafogo, hoje, é mais dramática do que a dos outros?
Porque alguns não têm 100% de penhora. O Botafogo tem 100% de penhora desde o início do ano, esse é o problema mais grave.
Como é para um presidente de um grande clube ver seus funcionários sem receber salário e não ter acesso ao dinheiro?
Bate
mais do que desespero. Não dormir, pensar sozinho, se emocionar,
chorar. Isso faz parte do dia a dia de qualquer ser humano. E não seria
diferente comigo.
Interditado há quase dois anos para reformas, qual o impacto de não usar o Engenhão?
Se
eu imaginar que, com esse equipamento (Engenhão), a gente conseguiu
fazer, em 2012, R$ 9 milhões de lucros em eventos, jogos, gravações.
Patrocínio e venda de camarotes. Tudo isso envolvia o estádio. Em 2013
você perde isso, em 2014, você também não tem o estádio. Então,
obviamente que o orçamento sofre um impacto violento e muito grande.
Quanto que o Botafogo deixou de arrecadar em média?
Aproximadamente,
por ano, uns R$ 20 milhões. Agora vai merecer por parte do Botafogo uma
ação na justiça contra a Prefeitura do Rio, porque foi isso que foi
determinado pelo escritório de advocacia contratado pelo clube.
Mauricio Assumpção assumiu toda a culpa pela situação do Botafogo (Foto: Reprodução TV Globo)
Você é filiado ao mesmo partido político do prefeito Eduardo Paes, o PMDB. Por isso ainda não entrou na Justiça?
Para
não ter entrado antes, a explicação é clara. Eu não tinha dinheiro para
pagar. Não só do escritório terceirizado, como também a avaliação de
quanto o Botafogo efetivamente deveria cobrar. Para entrar na Justiça
você tem que entrar sabendo o que vai fazer. Primeira questão, vai ser
contra quem, contra a prefeitura ou contra o consórcio construtor? E a
segunda questão é que precisa saber quais valores vai exigir. Como você
prova que você poderia tirar daquele estádio 20 milhões de reais por
ano, em média? Então, logicamente houve uma demora.
A dispensa de quatro jogadores titulares do time atual surpreendeu muitos. Por que você teve essa decisão?
Eu
olhava a situação do Botafogo na zona de rebaixamento, e algumas
atitudes acontecendo no futebol com as quais eu não concordava. A
responsabilidade de um rebaixamento cai sobre o presidente do clube,
então, se vai recair sobre mim, terá que ser do jeito que eu acredito
que as coisas têm que ser feitas.
Mauricio Assumpção concedeu entrevista na sala de troféus do Botafogo (Foto: Reprodução TV Globo)
Por que os quatro?
Tem
jogador que obviamente não entraria em campo tão cedo por questões
disciplinares ou de contusão. É um entendimento meu de que determinadas
peças não estavam funcionando para o mecanismo do dia a dia. É óbvio que
tenho que me reservar no direito de não fazer uma exposição disso. Os
próprios jogadores estão anunciando pelos quatro ventos que assim que
eles colocarem a mão na rescisão, vão bater de forma pesada no
presidente. Eu gostaria até que eles tivessem a postura de bater antes
das rescisões assinadas. Até para a gente entender quem são esses quatro
jogadores. Para os próximos jogos, dos quatro, apenas um talvez pudesse
ter condição de ser titular. Um estava no departamento médico e os
outros dois com suspensões grandes no STJD em função de atitudes
indisciplinares.
Você teme o que eles podem vir a dizer?
Se
eles acreditam que tiveram promessas não cumpridas porque eu não queria
cumprir, eles têm o direito de achar. Me emocionei várias vezes com os
jogadores, em várias situações. Eu não tenho medo de nada, só acho
estranho dizerem que vão me bater depois que assinarem a rescisão.
Estranho isso. (confira a segunda parte da entrevista no vídeo abaixo)
VÍDEO
VÍDEO
Sem dinheiro, como irá pagar as rescisões?
O acordo que estamos propondo é que esse pagamento seja efetuado em parcelas mensais de 24 meses, a partir de janeiro.
Por que a demissão e não o afastamento?
São
todos com contrato vencendo no fim do ano. No caso do Emerson, há um
acordo com o Corinthians. Na verdade, o que eu teria que pagá-los
afastando ou não afastando é a mesma coisa.
"A culpa é minha. Não tem outro culpado, a culpa é minha! Eu, enquanto presidente, tenho que assumir"
Se o Botafogo for rebaixado, existe um culpado?
A culpa
é minha. Não tem outro culpado, a culpa é minha! (Se emociona). Eu,
enquanto presidente, tenho que assumir essa responsabilidade. Não é uma
coisa que eu gostaria de ter no meu currículo, é uma algo que eu penso
em não ter no meu currículo como dirigente de futebol. Mas eu tenho
muita esperança de que até lá, dia 25 de novembro, a gente consiga
resolver essa situação.
Sem poder jogar no Maracanã
por conta de uma ação na Justiça do técnico Joel Santana, que trabalhou
no Botafogo entre 2010 e 2011, e que bloqueou todas as futuras rendas do
clube no estádio, como fica?
Não interessa ao
consórcio que o Botafogo, nesse momento, faça os jogos lá, pois haverá
prejuízo certo. Em função disso, o próximo jogo contra o Sport a gente
já vai ter que fazer em Volta Redonda.
Maurício Assunção em entrevista exclusiva ao repórter Thiago Asmar (Foto: Reprodução - TV Globo)
Como vê a gestão nos últimos anos de uma forma geral?
As
melhorias realizadas fora de campo foram importantes. A qualificação
técnica do time, a contratação do Seedorf, a chegada de ídolos como
Jefferson e Loco Abreu. Tudo isso fez, inclusive, com que nós tivéssemos
uma renovação da nossa torcida, numa faixa etária de 10 a 15 anos de
quase 15%, o que foi a segunda melhor média de torcidas no Rio, nessa
faixa etária.
Como ficou o orçamento de 2013 para 2014?
Sabendo
dos problemas que nós íamos enfrentar em 2014 por conta da questão do
ato trabalhista e das penhoras fiscais, nós fizemos um orçamento do
futebol melhor do que o de 2013. Em novembro de 2013 nosso orçamento no
futebol, que contempla a base e o profissional, era de aproximadamente
6,8 milhões de reais. Em março de 2014 esse orçamento caiu para 3,6
milhões, quase pela metade. Estávamos precisando fazer um novo time
para Libertadores, mas não dava.
Do time titular de
2013, aquele que se classificou para Libertadores, e que foi campeão
estadual, hoje só dois jogadores são titulares. Houve um exagero nas
negociações dos jogadores?
Não! Houve que a gente
não tinha dinheiro para manter. A gente sabia que não ia ter dinheiro,
nesse ano, sabia que seria um ano difícil. A responsabilidade do futebol
no ano passado era a seguinte: você vai disputar uma Libertadores, que
você não disputa há 18 anos, e vai ter que fazer um orçamento menor.
Foi necessário vender todos esses jogadores?
Vitinho
saiu por multa rescisória, Dória saiu por multa rescisória e havia
pressão também de rescisão na Justiça. Lodeiro saiu porque era um
salário caro e não tinha condições de manter. Rafael Marques saiu porque
tinha uma cláusula que permitia a saída dele com proposta do exterior.
Quando o cara chega aqui e põe R$ 10 milhões que é a multa rescisória,
você não diz não. Não tem como dizer não. Porque ele tá pagando uma
multa que está no contrato do jogador.
O que aconteceu com a Libertadores?
A
gente saiu da Libertadores no jogo do Maracanã, que a gente poderia ter
sido o time que se classificaria primeiro, e com uma rodada de
antecedência. Uma semana antes os jogadores começaram com aqueles
protestos. Naquela época, eu acho que estava indo para um salário e meio
atrasado. Era muito diferente do cenário de hoje. Ou seja: o foco foi
completamente errado. A gente tinha que ter decidido, resolvido, ganho
aquele jogo e depois eles podiam fazer a greve que quisessem fazer. Mas
eles preferiram fazer uma greve num momento errado, numa situação
errada, antes de um jogo decisivo para o Botafogo.
2014 será o pior ano da história do Botafogo?
É
uma questão que eu vou ter que saber enfrentar. Mas eu sei também o que
essa diretoria fez ao longo de cinco anos no Botafogo. De todas as
sedes que a gente reformou, do crescimento da nossa torcida jovem, que
era importante. Dos ídolos que nós trouxemos, da qualificação do futebol
profissional, dos títulos que conquistamos e, principalmente, da
reformulação que a gente fez na base. Eu acho que esse é o maior legado
que a gente deixa. A base do Botafogo, hoje, dá orgulho. Ela não nos
envergonha como envergonhava há seis anos.
O goleiro Jefferson, maior ídolo do clube atualmente, já fez críticas públicas a sua gestão. É verdade que vocês não se falam?
Quem trouxe
o Jefferson para o Botafogo fomos nós, quem valorizou o Jefferson fomos
nós, quem deu a ele o contrato que tem hoje, de goleiro internacional,
fomos nós. Por todo o mérito que ele tem. Sempre que ele quis falar
comigo, ou ele falava por telefone ou pessoalmente, quando eu estava no
treino. Quando eu parei de ir aos treinos, e ele não me ligou mais, ele
resolveu falar através da imprensa. Eu respondi através da imprensa.
Hoje, parece que ele voltou a me ligar. O meu diálogo com o Jefferson
continua o mesmo.