Absolvição de Lusa ou Fla pode abrir série de precedentes no Brasileirão
Casos polêmicos sobram na competição e 'chuva' de processos seria prevista; Corinthians poderia ser rebaixado e Botafogo poderia até ficar fora da Libertadores
Marcello Vieira -
Rio de Janeiro (RJ)
Caso as teses de Flamengo e Portuguesa sejam aceitas pelos
auditores do STJD nos julgamentos de Héverton e André Santos pelas
escalações irregulares na última rodada do Campeonato Brasileiro, um
precedente pode ser aberto e provocar uma verdadeira dúvida no futebol
brasileiro.
Uma das principais argumentações de defesa de Fla e
Lusa é de que o atleta julgado na sexta-feira no tribunal não estaria
suspenso para o jogo do fim de semana, uma vez que a punição seria
efetivada no primeiro dia útil subsequente. Na prática, se o tribunal
aceitar esta argumentação, estaria indicando que todos os jogadores que
foram punidos numa sexta-feira nos últimos 60 dias, prazo em que os
processos não estariam prescritos, e não atuaram no fim de semana,
estavam na verdade liberados para jogar naquela ocasião e suspensos na
rodada seguinte, premissa que pode provocar uma chuva de processos no
tribunal e prejudicar a segurança jurídica da competição. Em outras
palavras, todos os clubes que achavam ter cumprido a regra estariam na
verdade irregulares.
O outro argumento
que cabe apenas ao Rubro-Negro afirma que André Santos cumpriu a
suspensão da Copa do Brasil no jogo contra o Vitória, válido pelo
Brasileiro, de acordo com a RDI 05/04. Entretanto, além de não se
sustentar, uma vez que a Resolução Diretiva 05/04 transfere poder à CBF
para definir como a pena será cumprida e não cabe ao Fla definir por
livre vontade como pagá-la, pode criar um precedente para rebaixar
Corinthians e tirar pontos do Botafogo, que agiram de forma diferente em
casos semelhantes no qual estiveram presentes como protagonistas o
atacante Emerson Sheik e o zagueiro Dória. Procurado pelo LANCE!Net, o Procurador Geral do STJD, Paulo Schmitt, garantiu estar ciente de toda essa realidade:
–
Não dá para especular. Em tese, tudo o que aconteceu nos últimos 60
dias poderia ser reanalisado se Fla e Lusa, os infratores que culpam
todos e não assumem a própria culpa, forem absolvidos amanhã.
Corinthians também poderia ser rebaixado
Caso
as duas argumentações do Flamengo sejam consideradas pelo STJD e o
tribunal opte por absolver o Fla, o Corinthians pode ser rebaixado.
Isto
ocorre porque no dia 18 de outubro, uma sexta-feira, o atacante Emerson
Sheik foi julgado e pegou um jogo de suspensão. No sábado, o atleta não
atuou contra o Criciúma em razão da pena. Naturalmente, se a suspensão
só passa a valer a partir do dia útil subsequente, como defendem Fla e
Portuguesa, Emerson estava apto para o duelo contra o Tigre e não
poderia atuar contra o Santos, partida em que esteve presente.
Outra
coincidência que colocaria o Timão em situação complicada é que entre
os jogos citados do Campeonato Brasileiro, Emerson também foi expulso
contra o Grêmio, pela Copa do Brasil. De acordo com o segundo argumento
de defesa do Fla, isto é, a punição na Copa do Brasil é automaticamente
transferida para o jogo seguinte do Campeonato Brasileiro, Sheik também
deveria ter cumprido suspensão diante do Santos no Brasileirão. Em
síntese, se o Tribunal aceitar qualquer um dos argumentos do Fla, o
precedente estará aberto para o Corinthians ser denunciado, perder
quatro pontos, e acabar rebaixado com 46, mesma pontuação do Fluminense,
mas com uma vitória a menos. Vale lembrar que o advogado que defenderá a
Portuguesa no julgamento de amanhã, João Zanforlin, advoga para o
próprio Corinthians.
Botafogo fora da Libertadores
Na
mesma lógica do Corinthians ser rebaixado no Brasileiro, o Botafogo
também pode ficar fora da Libertadores se o Flamengo for absolvido. O
zagueiro Dória também foi expulso em jogo do torneio nacional, contra o
Flamengo, e atuou normalmente na partida seguinte pelo Campeonato
Brasileiro contra o Atlético-MG.
Como o Alvinegro venceu o jogo
citado do Brasileirão, poderia perder seis pontos e terminar a
competição com 55, ocupando a nona posição. A vaga do time de General
Severiano passaria a pertencer ao Vitória, quinto colocado na competição
nacional, com 59 pontos. Embora os casos de Botafogo e Corinthians
sejam os que mais chamem a atenção, existem diversos outras situações
que ainda não foram prescritas, que poderiam ser analisadas ainda.
O que é RDI
RDI
são resoluções de diretoria da Fifa que determinam como as decisões
devem ser tomadas nas competições nacionais. Para os casos dos
julgamentos de amanhã, no STJD, a RDI 05/04 diz que por partida
subsequente se entende a primeira que será realizada após aquela em que
se deu a expulsão ou a terceira advertência. O impedimento não se
transfere para outra competição ou torneio. Neste sentido, uma punição
sofrida na Copa do Brasil não pode ser quitada em outro campeonato a não
ser que CBF determine o contrário. Ao traduzir a resolução diretiva,
originalmente em espanhol, o Flamengo equivoca-se ao acreditar que André
Santos poderia cumprir a punição no jogo contra o Vitória quando na
verdade a CBF, por intermédio do STJD, não havia determinado nada neste
sentido.
Flamengo já agiu diferente
No dia 23 de abril de 2005, o Flamengo jogou contra o Ceará pela Copa do Brasil. Na ocasião, Jonatas e Fabiano foram expulsos. Três dias depois o Fla estreou no Campeonato Brasileiro contra o Cruzeiro com Jonatas e Fabiano em campo. A suspensão automática da Copa do Brasil não foi considerada para o Campeonato Brasileiro, situação que contraria o argumento defendido atualmente. O advogado do Fla naquele ano também era Michel Assef.
Flamengo já agiu diferente
No dia 23 de abril de 2005, o Flamengo jogou contra o Ceará pela Copa do Brasil. Na ocasião, Jonatas e Fabiano foram expulsos. Três dias depois o Fla estreou no Campeonato Brasileiro contra o Cruzeiro com Jonatas e Fabiano em campo. A suspensão automática da Copa do Brasil não foi considerada para o Campeonato Brasileiro, situação que contraria o argumento defendido atualmente. O advogado do Fla naquele ano também era Michel Assef.
O caso D'Alessandro
Para
ilustrar a RDI 05/04, cabe ressaltar um exemplo de 2009 quando o atleta
do Internacional, Andrés D'Alessandro foi expulso na Copa do Brasil, não
cumpriu suspensão automática na mesma competição porque ela havia
terminado e atuou normalmente no jogo seguinte pelo Campeonato
Brasileiro de maneira regular. Em momento posterior, o STJD, órgão
responsável por definir como seria cumprida a suspensão, julgou a
infração e determinou que D'Alessandro cumprisse cinco jogos de
suspensão no Campeonato Brasileiro. O atleta cumpriu a pena.
Defesa pouco citará a lei
O
advogado João Zanforlin, que defenderá a Portuguesa amanhã no Superior
Tribunal de Justiça Desportiva, alegará que a Lusa não agiu de má-fé e
nem poderia ter se beneficiado com a escalação de Héverton devido a
qualidade técnica do jogador. Além disso, a defesa ressaltará o pouco
tempo que o jogador ficou em campo, apenas 13 minutos.
Zanforlin
vai colocar em dúvida se o jogador deveria ter cumprido suspensão no
jogo com o Grêmio, uma vez que o julgamento aconteceu na sexta-feira
anterior à rodada.
Polêmica Tartá e Duque de Caxias
Em
2010, o STJD absolveu Leandro Chaves do Duque de Caxias por entender
que o clube não teve dolo ao escalá-lo em situação irregular. O caso é
bastante diferente dos atuais porque envolve a transferência de cartões
que este mesmo jogador acumulou no clube anterior antes de ser
transferido em meio à competição para o Duque de Caxias. Na época havia
uma omissão do regulamento que não deixava esclarecida a questão da
transferência de cartões para gerar suspensão automática.
Quando o
jogador em questão chegou ao Duque de Caxias e tomou o primeiro amarelo,
na verdade era o segundo. No momento em que tomou o segundo ele já
estava suspenso porque na prática era o terceiro, mas o clube não tinha
conhecimento. Leandro levou o terceiro amarelo e não jogou porque aí sim
o Duque de Caxias imaginava que ele estaria suspenso e a situação
repetiu-se em efeito cascata até o fim do campeonato.
O Duque de
Caxias foi denunciado por supostamente estar errado, mas no julgamento
foi verificada uma falha no regulamento que posteriormente acabou
corrigida e desde então não há margem para dúvidas sobre o tema. Em
todos os casos similares os clubes foram considerados culpados pelo STJD
já que foi corrigida uma falha na lei.
Na ocasião, a situação do
Caxias provocou uma dúvida na opinião pública já que Tartá do Fluminense
levou dois amarelos quando jogava pelo Atlético Paranaense e quando
voltou ao Flu acumulou os cartões. Assim que Tartá levou o primeiro
amarelo no Flu, o terceiro na competição nacional, o Tricolor
considerou, de maneira acertada, o jogador suspenso. Depois disso, Tartá
levou mais dois amarelos e pela absolvição do Caxias, muitos se
confundiram e acreditaram que o jogador tricolor jogou suspenso pelo
Fluminense e o clube deveria perder os pontos e o título brasileiro. A
absolvição do Caxias por uma falha na lei não mudou a lei, apenas
significou que o Duque de Caxias foi absolvido de um erro cometido.
Desta forma, Tartá jogou pelo Fluminense de forma regular.
Lusa e Fla no STJD
Irregularidades
Na
terça, a CBF notou duas irregularidades na última rodada do Brasileiro,
realizada dois dias antes. A Lusa não poderia ter utilizado Héverton
contra o Grêmio e o Flamengo não poderia ter utilizado André Santos
diante do Cruzeiro.
Consequências
Héverton foi julgado na
sexta-feira anterior ao jogo e ainda tinha um jogo de suspensão a
cumprir, enquanto André Santos foi expulso na final da Copa do Brasil e
deveria cumprir no Brasileiro. Os dois clubes podem perder quatro
pontos. A Lusa cairia.