Abandonado, Cetale vive em clube e tem foto como única herança do Bota
Ex-zagueiro, que perdeu quase tudo para a bebida, era conhecido pela raça e jogou ao lado de craques como Garrincha, Nilton Santos e Didi
Conhecido pela marcação implacável nos anos 50 e 60, José Ortiz Cetale
hoje enfrenta dias de amargura. Cabisbaixo e com o olhar triste, o
ex-zagueiro do Botafogo viu carreira e família serem perdidas, após o
vício no álcool abatê-lo. A atual moradia é a sede do Nacional, time da
Quarta Divisão de São Paulo, onde também atuou. Entre seus poucos
pertences está uma foto do Alvinegro carioca do início dos anos 60.
Enquadrada, na qual se vê o goleiro Manga ao seu lado, ela é sua única
herança do clube onde viveu suas maiores glórias.
- Há cinco anos ele ainda participava das peneiras, nos ajudava com a
seleção dos meninos do infantil e juvenil, mas agora está um pouco
debilitado. Está tendo acompanhamento social, mas é o nosso amigo diário
do clube - conta o gerente de futebol Carlos Camilo.
Cetale ficou famoso com a camisa do Botafogo pela entrega e raça
exibidas nos gramados. Filho de mãe uruguaia e pai argentino, ele nasceu
em São Paulo, surgiu no infantil do Corinthians, passou pelo Nacional e
jogou pela primeira vez no Rio com a camisa do América. Tornou-se
famoso, contudo, como beque do Alvinegro. Foi bicampeão carioca de
aspirantes em 58 e 59 e do Torneio Rio-São Paulo de 61. Naquele time
carioca, o zagueiro ganhou o apelido de 'Cacetale'.
- É, eu dava minhas "porradinhas". Eu tirava a bola, mas pegava o pé do
cara também - recorda, sem esconder o sorriso no canto da boca.
Cetale vive em um clube da 4ª divisão de SP
(Foto: Reprodução SporTV)
(Foto: Reprodução SporTV)
Aos 73 anos, Cetale diz ter conhecido mais de 50 países como jogador de
futebol, principalmente em excursões realizadas com o Botafogo no
exterior. Viveu na Colômbia, onde defendeu o Deportivo Cali e foi
campeão nacional, e nos Estados Unidos, vestindo as camisas do Toros Los
Angeles e Chicago Spurs. A vida de sucesso no esporte, porém, foi se
acabando ao longo do tempo para o ex-zagueiro. A bebida levou o dinheiro
e o afastou da família - não conhece o paradeiro dos seis filhos que
teve.
Em 1998, após trabalhar em categorias de base em time dos EUA, Cetale
retornou ao Brasil, mas completamente incapaz de se manter. Chegou a
morar em um albergue, até o dia em que o diretor do Nacional-SP o levou
para dormir em um quarto no estádio do clube. Hoje, suas principais
companhias são os jovens aspirantes a jogadores que treinam ao lado de
sua "casa".
Os problemas financeiros, no entanto, não privaram Cetale de recordar
seus tempos áureos, quando atuava ao lado de craques como Didi, Paulinho
Valentim, Quarentinha, Amarildo e Zagallo. Uma partida em especial não
sai de sua cabeça: o amistoso entre Botafogo e Milan, na Itália, em
1961, no estádio San Siro, em Milão. Em campo, na vitória por 3 a 2, ele
precisou marcar Mazola, atacante da seleção brasileira, campeão mundial
em 1958 e um dos principais jogadores da Europa na época. Histórias dão
conta de que o adversário, conhecido no Velho Continente por Altafini,
chegou a reclamar em campo com Didi das investidas de Cetale.
- Ele vinha para cima de mim e tocava a bola antes. O Didi dizia
"segura ele, dá-lhe umas porradas" – recorda Cetale, com a voz fraca e
um súbito prazer por lembrar seu passado.
Cetale mostra foto que é sua única herança do Botafogo: ele é o 4º, em pé, a partir da esquerda (Foto: Reprodução SporTV)