'Nelson Rodrigues odiaria admiração de todos e o Barça', crê Ruy Castro
Biógrafo imagina que o cronista, que completa 100 anos de nascimento, não aceitava que o futebol brasileiro copiassem os estrangeiros
Nesta quinta-feira, 23 de agosto, o dramaturgo e cronista Nelson
Rodrigues completaria 100 anos. Para o escritor Ruy Castro, autor da
biografia "O Anjo Pornográfico", não estaria satisfeito com a
repercursão atual de sua obra. Na opinião do jornalista, Nelson
Rodrigues estaria incomodado com a reverência que seus textos, romances e
peças de teatro têm atualmente.
- Ele deixou de ser discutido, para ser só admirado. O Nelson queria
ser lido e discutido. Hoje o Nelson é admirado por todos e acho que ele
não gostaria disso. A frase "Toda unanimidade é burra" significa que,
quando você pensa junto com a unanimidade, você não está pensado. A
unanimidade pensa por você. Ele achava que todo escritor devia ser
debatido. Toda obra dele é um convite à discussão, nos mais altos e nos
mais baixos termos - disse Ruy Castro, no "Redação SporTV" desta quarta.
Torcedor fervoroso do Fluminense, Nelson Rodrigues escreveu colunas
esportivas nos jornais, como "Última Hora", "Jornal dos Sports" e "O
Globo". No futebol atual, o campeão mundial, o Barcelona, com suas
longas troca de passes, seria vítima de crônicas mal-humoradas do
dramaturgo.
- O Nelson não admitia que o futebol brasileiro copiasse os
estrangeiros. O Armando Nogueira era apaixonado pelo time da Hungria de
1954. Era um time maravilhoso, o Nelson sabia disso. Mas ele não queria
que o Brasil jogasse com aquela eficiência. O Nelson era da opinião de
que só o cabeça-de-bagre solta a bola de primeira. O craque trata a bola
com carinho, como uma gata de luxo. Por isso, o Nelson diria que a
pelada mais sórdida no Aterro do Flamengo era mais importante que um
jogo do Barcelona. Porque a pelada teria a paixão, a complexidade, o
drama. O Nelson diria que o Barcelona é de uma eficiência estéril.
Ilustração
Outra opinião polêmica de Nelson Rodrigues era sobre a importância da
arbitragem nas partidas. Para o cronista, os juizes e assistentes
deveriam errar e, de preferência, de propósito.
- O futebol é um resumo do drama humano. O Nelson era favor do juiz
ladrão. Ele torcia para o juiz ser ladrão. E ele estava certo. Porque o
ladrão está em todos os setores da sociedade. Seria um absurdo o futebol
ser limpo, puro, virginal, casto.
O colunista da "Folha de São Paulo" Xico Sá lembra que, apesar de ser
tricolor, Nelson Rodrigues escreveu crônicas exaltando os rivais Flamengo, Vasco e Botafogo. No entanto, teria dificuldade de tratar de futebol, pois não contaria com a mesma compreensão dos leitores.
- Hoje falta humor. É uma incompreensão tremenda, principalmente da
juventude. Depois daquele gol do Santos, com três impedimentos, eu fiz
uma simples brincadeira: "O tira-teima é burro". Declaradamente, era uma
frase de humor. Eu escrevo sobre tudo, em todos os cadernos. Quando eu
escrevo de forma contundente sobre esporte, a massa quer me matar, como
se fosse a coisa mais importante do mundo. Eu acredito que, hoje, o
Nelson teria muito mais dificuldade para escrever.
Nelson Rodrigues: biógrafo crê que reconhecimento seria 'unanimidade burra' (Foto: Ag. Estado)