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TEKA FELISBERTO, ATÉ QUALQUER DIA...


          Há cerca de dois verões atrás, em pleno domingo de sol de Copacabana, estava eu fazendo uma caminhada pela areia, à beira-mar. Tinha resolvido caminhar muito e para aliviar tensões, pretendia fazer o percurso Leme-Posto 6 em ida e volta. Na ida, avistei uma loura de rosto bem conhecido para mim. Uma mulher de meia-idade, baixa estatura, graciosa e com ar jovial. Ela andava rápido, olhando para o horizonte, com fones de um ipod no ouvido, compenetrada, porém aparentando grande prazer na caminhada. Quando passei bem perto, logo reconheci... Era a Teka Felisberto! Fiquei olhando para dar um aceno, mas ela nem me viu. Passou batida e eu devo ter ficado com aquele ar de quem está querendo abordar uma mulher na rua e ela não dá a mínima.   

          Já no trajeto de volta ao Leme, vejo novamente a Teka caminhando em sentido oposto. Naquele momento, ela me vê, reconhece e abre aquele lindo sorriso que a gente sabe. Um sorriso largo, que faz os olhos quase fecharem. Ela vai parando, tira os fones do ouvido e fala comigo. Dois beijinhos no rosto e obviamente surge nosso assunto em comum.  - E aí, e o nosso Botafogo ? Indago eu (pelo que me lembro, vínhamos de um resultado desfavorável no carioca, em algum jogo fora contra um Macaé ou Boavista da vida).

        - Ah, sei lá... Cheguei de viagem, vindo do jogo e hoje acho que nem vou ao clube. Tô andando aqui na praia pra relaxar geral depois de esquentar tanto a cabeça com o Botafogo. Mas de repente vou até lá mais tarde... Assim ela foi encerrando o assunto, para continuar a andar na orla de Copa.

        - Tá legal, Teka. A gente se vê no clube ou então no próximo jogo, quem sabe? 

        Tomei o meu rumo, pensando no quanto aquela mulher vivia e respirava Botafogo, a ponto de acompanhar o time nas viagens e viver o dia-a-dia de General Severiano, como sócia e torcedora apaixonada. Pena que são poucos assim, mas ainda bem que eles existem. Enquanto existirem, o nosso Botafogo não acaba de jeito nenhum (acho que algo assim pensei naquele momento).  
         
        Dali em diante, revi a Teka em diversos momentos, no clube, em jogos no Engenhão ou eventos comemorativos. Não cheguei a conversar muito com ela após isso e por falta de oportunidade nunca estreitamos um maior relacionamento de amizade. No entanto, isso nunca impediu que eu percebesse claramente a sua desmedida paixão por tudo o que estivesse relacionado ao nosso clube da Estrela Solitária. Nos diversos momentos em que a vi, estava sempre do mesmo jeito, radiante, sorrindo e feliz por viver tudo o que fosse possível junto ao Botafogo. Defendia o clube com unhas e dentes, como uma leoa defendendo a cria. Cansei de vê-la em ação como torcedora incansável e várias pessoas me confirmaram as suas atitudes em brigar pelo Botafogo de forma incondicional. Mas tudo isso sem perder a simpatia, o sorriso inconfundível e o carinho pelos outros. 

          No Botafogo há dois tipos peculiares de torcedores, diferenças ainda mais marcantes nos dias de hoje. Temos aquele descrito há várias décadas pelo Nelson Rodrigues, que faz o tipo praguejante, ranzinza e que vê defeito em tudo. Atualmente este perfil de botafoguense é o que vaia alguns jogadores, técnicos e diretores, seja no estádio ou nas redes sociais de hoje em dia. O outro tipo é aquele de alto astral, que só pensa em levantar o time, torcendo, gritando e aplaudindo qualquer um que envergue a nossa camisa alvinegra (conheço muitos assim e que nem por isso deixam de reconhecer falhas, defeitos e ruindades de certos jogadores, mas que são incapazes de vaiar com a bola em jogo). Eu tenho amigos botafoguenses que são de ambos os tipos. A Teka certamente sempre foi representante deste segundo perfil. E mais do que isso, era daquelas que não só apoiavam o tempo todo, mas também, de forma destemida, se esforçava em evitar que outros vaiassem. Pelo menos assim alguns me confirmaram este seu traço de torcedora e se os mais chegados a ela acharem que estiver errado, me corrijam. 

           Teka Felisberto nos deixou anteontem, em 28/01/2013, após uma luta árdua por cerca de dois meses em um hospital da zona sul do Rio de Janeiro. Fui chamado para vê-la logo no início deste ano, com objetivo de oferecer alguma ajuda como profissional de saúde. Nossa amiga botafoguense estava em uma situação delicada, mas ainda relativamente bem, o que permitiu algumas conversas apesar de sua voz bem fraquinha. Contou-me orgulhosa que era sócia do Botafogo desde 1975, quando ainda estava na adolescência. Sua doença não era curável, mas acreditávamos que iria vencer as dificuldades, sair do hospital e ainda viver bem por vários anos. Acreditei muito nisso e assim falei a ela, lembrando que em breve veríamos muitos jogos juntos no Engenhão. Pelo menos isso fez com que me presenteasse com aquele sorriso lindo que vi na praia há dois anos atrás e que ficará guardado eternamente com todos nós que a conhecemos de perto. Infelizmente a situação agravou-se. Ela lutou o quanto pôde, venceu algumas batalhas difíceis, mas não foi possível vencermos a partida final. E isso até o momento me abala profundamente, mas o consolo na alma foi dado pelo número imenso de amigos botafoguenses vestidos de preto e branco ontem, durante o seu velório. Eu estava em um dia difícil de trabalho, mas interrompi tudo rapidamente para dar um último conforto à família, mais especialmente a seu pai, o Sr. Felisberto, uma figura fora de série, pai dedicado e que tanto a amava. 

        Quando parei o carro e vi aquele grande número de torcedores e amigos da Teka em frente ao São João Batista, a maioria com camisa do Botafogo, percebi a enorme importância que ela tinha e a figura maravilhosa que sempre foi ao longo da vida. Apesar da dor pela perda, isso me causou um certo alívio, ao vê-la tão bem homenageada e ao ver nossa identidade de torcedor tão bem representada e incólume. Nessas horas percebo tal identidade de forma tão genuína que a relaciono à pureza e ao heroísmo de Flavio Ramos, Emmanuel Sodré e dos demais garotos que fundaram nosso clube. Eles não poderiam imaginar que mais de um século depois, o Botafogo que eles inventaram iria se transformar em uma entidade tão gigantesca, capaz de gerar paixões, amizades e emoções arrebatadoras.                 

        Teka, obrigado por deixar uma semente tão importante como torcedora botafoguense e amiga de todos. O nosso conforto maior é saber que essa semente vai germinar, espalhar, manter o eterno Fogo em nosso peito e que nosso amor ninguém jamais irá calar! Você hoje é mais uma Estrela a brilhar bem alto, com o brilho radiante de seu sorriso e do qual nunca iremos esquecer…     

                                   Humberto Cottas      
                                    (um torcedor botafoguense)